Irmão,
O teu último email deixou-me preocupado. Disseste-me que os teus amigos da vila te criticaram por te dares comigo, um tipo que trocou Ourique por Israel. Para eles, Israel é como a "Alemanha nazi" ou o regime sul-africano do Apartheid. E tu nem tens os meus laços de sangue ao povo Judeu; para os teus amigos de esquerda, o teu filo-semitismo só pode radicar no pensamento político de direita. Como podes ser amigo de alguém que decidiu viver uns tempos num país que fez "a maior prisão a céu aberto do mundo"? Não adianta recordar que Cuba tem uma área 3 vezes superior à da Faixa de Gaza, porque beber um mojito em Havana foi e será sempre turismo, enquanto visitar Jerusalém nunca deixará de ser fascismo. Não adianta lembrar que Gaza também tem fronteira com o Egipto e que os países árabes usam os Palestinianos como carne para canhão. Não adianta sequer sugerir que o radicalismo do judeus ortodoxos é a face espelhada da indústria do martírio empreendida pelo Hamas, porque o Hamas faz "trabalho social" e para um esquerdista isso basta para o legitimar. Não adianta perguntar-lhes se a mãe palestiniana de um rapaz morto pelo exército israelita tem mais direito ao sofrimento do que o escritor David Grossman, cujo filho Uri morreu a lutar na guerra de 2006 entre Israel e o Líbano, nem explicar-lhes que tentas compensar o desconhecimento dos nomes dos palestianos com uma dose reforçada de empatia e nem assim encontras diferença no sofrimento desta mãe e deste pai. Não adianta, porque encontrar quem acusar é a forma mais simples de nos livramos de argumentos contraditórios.
Um dia alguém reconhecerá a força dos moderados que não cedem ao encanto das posições extremistas, mas não esperes nunca ver o teu rosto estampado numa T-shirt. Aqui em Tel Aviv, penso em ti ao cair do dia, enquanto contemplo o Mediterrâneo revolto e procuro alguma sincronia entre os movimentos ao vento da bandeira arco-íris dos LGBT e os quebrantos do chamamento do mulá, deixando-me embalar numa ilusão de cosmopolitismo pacífico.
Abraço-te, eremita
PS: esta noite sonhei que o Estado Judaico tinha sido erguido a partir das ruínas de Dresden, logo a seguir à Segunda Grande Guerra e que hoje fazia fronteira com a Alemanha, a Polónia e a República Checa. Um Estado assente nos remorsos dos alemães e dos ocidentais. Retrospectivamente, parece-me que teria sido uma solução menos sangrenta do que a actual e um uso mais avisado desse instrumento tão poderoso que é a culpa, que agora anda ao Deus-dará.