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OURIQ

Um diário trasladado

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20
Mar17

Tangentes a Rentes de Carvalho


Eremita

discussão sobre até que extremos devemos separar a obra do autor é recorrente. O dilema surge quando o autor de uma obra genial revela ser um crápula ou, no mínimo, defende ideias politicamente incorrectas. Hitler foi - dizem-me - um aguarelista medíocre, mas os exemplos abundam, variando no grau da pulhice e da genialidade, sem que ninguém arrisque apresentar uma correlação entre as duas variáveis: os anti-semitas Richard Wagner e Louis-Ferdinand Céline, o fã dos nazis Knut Hamsun, o nacionalista e belicista Ernst Jünger, o apoiante da ditadura militar argentina Jorge Luis Borges, o violador de uma menor Roman Polanski, o racista e misógino V.S. Naipaul, etc. As opiniões tendem invariavelmente para a seguinte polarização: uns, armados em paladinos da liberdade de expressão e amadores das belas artes, defendem a autonomia da obra face ao carácter do autor versus outros, tão puros e decentes que são incapazes de apreciar a obra de uma besta. Portugal não tem uma grande tradição de artistas controversos, mas, ao declarar que iria votar na extrema-direita holandesa, J. Rentes de Carvalho suscitou entre nós as duas reacções da praxe (1 e 2). Com franqueza, a vida é curta e já não há grande pachorra para esta polarização, que me parece muito burguesa e refém de uma hipocrisia insuportável. Tentemos uma terceira via. Será impensável defender a ideia de que o autor com opiniões controversas ou até abomináveis torna a sua obra muito mais desconcertante, perturbadora e, naturalmente, apetecível ou mesmo irresistível, pois é esse o apelo do fruto proibido? Lobo Antunes bem pode andar a seduzir plateias por aí com a sua voz doce repleta de empatia pelos portugueses remediados, mas não são os bons sentimentos que me farão voltar aos livros dele. Por outro lado, creio que é desta que vou abrir um livro de Rentes de Carvalho e suspender por momentos o juízo que formulei depois de ler uma crítica devastadora. Citando um outro autor polémico, não defendo sequer esta atitude, trata-se simplesmente de descrever a vida como ela é

2 comentários

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    caramelo

    21.03.17

    Pois bem, Nelson, se o cozinheiro foi anti-fascista, vou lá e bato-lhe eu na mulher, para ela ser mais compreensiva com o stress emocional de ser torturado pelos algozes fascistas. Por outro lado, se é meu pai, bate na minha mãe, e ainda por cima não tem a decência e a qualidade de me dar todos os dias o melhor bife, escarracho-o. No fundo, nada disto é complicado; não há razão nenhuma para não aplicarmos à apreciação dos artistas a complicação moral que é a vida diária.

    Um universo tão antigo é já suficientemente rico em arte para podermos seleccionar o que consumimos como nos der na gana. Ainda por cima, alguém com a bênção da memória fraca e da leitura lenta, como eu, pode muito bem ler o mesmo Gogol e o mesmo Maupassant, alternadamente, todos os anos, e fica-se consolado de contos. Eu tenho a certeza absoluta, consolidada agora mesmo, de que nunca pegarei no Rentes, e nem sequer é pelas suas posições politicas. De qualquer forma, os antigos têm uma vantagem: podemos bem dispensá-los dos padrões morais que utilizamos actualmente. Já ninguém olha para o Caravaggio a pensar que ele era um doido de um sacana ladrão e assassino.
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