Como lembrar um chinês
Eremita
Não somos bons a distinguir duas formigas operárias num formigueiro. Somos melhores a distinguir chimpanzés e ainda um pouco melhores a distinguir chineses, mas de dois chineses escolhidos ao acaso diremos provavelmente que são mais parecidos do que dois lisboetas também emparelhados às cegas, mesmo que escolhamos um bairro da capital pouco cosmopolita. O mesmo se passa com os nomes e apelidos chineses. Recordo Wang Fô (graças a Yourcenar) Mao e Deng Xiaoping (eternamente associados por um reflexo condicionado que me faz pensar num quando me lembro do outro), Lang Lang (pela eficácia didáctica da repetição), Confúcio (por soar romano) e os que poderia lembrar a seguir viriam com esforço. Parece então evidente que o anonimato e a ausência de um rosto são a melhor forma de assegurar a persistência de um chinês na memória de um ocidental. Alguém conhece as feições e o apelido do chinês que enfrentou os tanques na praça de Tianamen, em 1989? E não será este o chinês mais universal das últimas décadas? Talvez por isso, recordo mal a miscelânea de informação que vou editando, mas ainda me lembro do chinês que morreu em 2013 de infecção pulmonar em resultado dos imunossupressores que lhe administraram para evitar a rejeição de um transplante renal. A sua morte será referida em breve na imprensa especializada, mas os detalhes apenas serão encontrados na secção de Materiais e Métodos, que só é lida em caso de extrema necessidade, pois as publicações académicas privilegiam os resultados positivos. Embora tivesse sensivelmente a minha idade, creio que essa coincidência não é relevante - de resto, imagino-o fumando e eu nunca fumei.