HOMOFILIA: Talvez em tempos idos o que se segue passasse por dirty little secret da heterossexualidade masculina, mas a total abertura aos costumes que caracteriza a nossa época subiu a fasquia mínima da verdadeira da confissão pública para níveis incompatíveis com uma existência fora dos estabelecimentos prisionais. Em todo o caso, ainda não é costume os homens heterossexuais falarem sobre o corpo de outros homens, mesmo quando partilham a contemplação, como quando durante uma final de 100 metros a câmara vai mostrando os adversários ainda nos blocos e podemos medir a envergadura de cada um e apreciar a harmonia da massa muscular. A verdade é que os homens conhecem melhor o corpo masculino do que as mulheres, pela simples circunstância de viverem enclausurados dentro de um. Esta imagem da clausura vem muito a propósito (isto está tudo combinado), porque quando um homem heterossexual olha para outro homem, o desejo que eventualmente possa sentir não passa por possuí-lo no plano sexual, mas antes por possuir o corpo dele. Bem sei que esta ideia de "homem heterossexual" para muitos não faz sentido e dir-me-ão que estou apenas a tentar sublimar um incipiente desejo homosseuxal, mas insisto, desta vez em mote: o desejo a que me refiro não é carnal, é de encarnação. E num certo sentido, este é mais forte do que aquele, porque ambos os desejos podem não passar de caprichos, mas o primeiro concretiza-se ainda num capricho e o segundo - ainda que uma fantasia - remete para um compromisso para a vida, ou pelo menos até ao encontro com um corpo ainda mais sedutor. Foi o que me aconteceu no Coconut Beach Resort, ao fim da tarde de hoje. Posso não ter encontrado a mulher da minha vida no Gana, mas encontrei o corpo.
Consta que cada povo tem uma noção de espaço privado característica. Para uns, ter alguém a menos de 50 cm é uma intromissão, para outros o incómodo só surge aos 30 cm e há ainda um tipo de gente, creio que transversal a todas as culturas, que colapsa esta distância agarrando o interlocutor que acaba de conhecer pelo braço. Alguma incompatibilidade deste tipo deve ter sucedido, porque o rapaz passou-me uma tangente, embora a tivesse sentido como uma secante. Vinha ainda molhado e de tronco nu. Apolíneo? Perto dele Apolo seria raquítico. 1,90 m, uma envergadura de albatroz, uma discreta musculatura que o fazia ligeiro quando visto de perfil e que era resultado de uma qualquer prática desportiva - basquetebol, vim a saber mais tarde - e não de trabalho de ginásio, ou seja, eram músculos com um propósito e a beleza destes apenas um derivado. Esmagador. Mas era sobretudo a juventude do corpo que marcava e o afastava do puro estereótipo dos negros perfeitos e dotados à Mapplethorpe, que se percebe serem criaturas que já foderam muito na vida. O rapaz devia ter uns 20 anos, talvez 21 ou 22, não mais nem menos, e talvez não tivesse ainda ido além do namoro ou de uma relação com a primeira e única namorada. Sim, estamos em África, mas há metodistas e baptistas por aqui. Como se não bastasse, era também bonito. Mónica estava comigo e não disse nada, parecendo nem sequer ter reparado, mas vim a saber depois que não foi o caso e seria ela a primeira a comentar comigo o físico do rapaz. Isto porque ele acabaria por passar a noite de fim de ano à nossa mesa. Como conseguimos isto? É menos excitante do que se possa pensar e talvez seja altura de apresentar Karl.