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OURIQ

Um diário trasladado

OURIQ

Um diário trasladado

14
Fev12

São Valentim


Eremita

Ourique em discurso directo


 Rita

 

"Ah, o amor. Faz más as pessoas boas e péssimas as pessoas más. Mas admito que seja bom para a arte"  Judeu

 

"Não tenho remorsos. Uma vez falhei a estocada final e foi uma agonia. Olhos nos olhos, apeteceu-me falar-lhe, só que não me lembrei de nada. Havia gente à nossa volta e começaram a reclamar comigo, mas não podia ficar ainda mais triste. Enfim, o touro lá morreu" Ricardo Chibanga

 

"Eu lembro-me dela todos os dias, não preciso de uma data especial" Surfista de Ourique, aka Jaime, aka "rapaz de recados"

 

"Já só me apaixono por actrizes mortas, não tenho tempo a perder"  Gaspar, aka "o rapaz do cineclube"

 

"Entre o amor e o controlo dos meios de produção, o alentejano não pode hesitar" Fausto

 

"Comer mulas em Hollywood foi a minha estrada de Damasco " Confissão de Nuno Salvação Barreto, o censor.

 

"Não é verdade que seja dos circuncidados que elas gostam mais, mas já não culpo o meu pai" Adriano, filho do Judeu

 

"Compadre, não são os peitos, são os olhinhos" Honório (em fantasma), comentando um calendário na antiga taberna do Mira.

 

"Tem 20 cêntimos?" Tatiana, no Pingo Doce.

 

 

 

 

13
Set11

Só faltou a Marilyn


Eremita

Se a epifania colectiva existir, o momento em que percebemos* junto de outros aquilo que somos e o que nos une, com uma nitidez e pudor tais que não precisamos de o partilhar, mas também não saberíamos como fazê-lo, ontem passei por uma. Estava a jantar em casa do Judeu, apareceu o Fausto e juntou-se depois o Gaspar, o rapaz do cineclube. Houve um silêncio entre palavras e talheres e percebemos todos o que somos: uns inadaptados.

 

* Adenda: houve por aqui um pontapé rotativo na gramática que resultou de  uma reformulação do texto mal revista.

02
Ago11

Tábua de personagens [actualização]


Eremita

 

 

Tenho conhecido algumas pessoas desde que aqui cheguei de bicicleta.

 

 

PERSONAGENS

 

Tatiana

 

Tatiana, uma ucraniana caixa no Pingo Doce, é uma mulher de anatomia e personalidade imprecisas. A indefinição dos seus contornos físicos e psicológicos é essencial para que seja camaleónica e assim cumpra as funções de passe-partout passional que recolha as características dos objectos passionais do seu criador, reais ou fantasiosos, e de todos os tempos. Mesmo em relação ao seu nariz, que foi já descrito com grande precisão, o leitor atento ficará com dúvidas, pois há uma contradição: Nariz à Rosemarie DeWitt ou "nariz fino, pouco comprido, mas muito nobre? E, afinal, se não há rosto passível de ser amado no local de trabalho de Tatiana, quem era aquela mulher que lhe terá dado um rosto provisório? Não se sabe. 

 

Tatiana vai engravidando em tempo real. Primeiro nasceu "1", depois "2", em breve haverá "3". Os filhos de Tatiana terão um nome, mas aqui são apenas "1", "2", "3"... "n". São sempre de homens diferentes e nunca do narrador, mas "sempre" e "nunca" são aqui menos redundantes do que contraditórios. Ou talvez não. 

 

 

Igor

 

Igor, marido de Tatiana, é uma besta e também um idiota. Por uma vez, a falta de densidade psicológica é da exclusiva responsabilidade da personagem. Igor não chega sequer a representar o contraponto de Tatiana, um passe-partout de todos os ódios, porque em regra acumulamos menos ódios do que paixões e o ódio tolera-se muito mais facilmente, dele podendo até vir algum ânimo. Igor existe apenas para criar alguma tensão e fazer de Tatiana uma mulher inacessível. O plano em construção para assassinar o ucraniano pontua a primeira fase do Ouriquense, se possível no registo de comédia negra. Fisicamente avantajado mas destituído de qualquer brilho ou bondade, o amor de Tatiana por este homem é um dos grandes mistérios desta trama e só a complexidade das mulheres nos livra de termos aqui uma inverosimilhança.

 

Na segunda fase do Ouriquense, Igor é dado como falecido, na sequência de uma série de eventos com final em aberto - sobretudo por preguiça do autor, mas também conveniência - que levam o eremita até Espanha, de onde traz o relato Quem Matou Igor? , o primeiro policial com spoiler warning, que tem publicado muito lentamente. A verdade é que, com base na informação disponibilizada até agora no Ouriquense, o corpo ainda não foi encontrado.

 

Judeu, aka "o inventor"

 

O  inventor da vila é uma mistura do cigano Melquíades (Márquez) com o velho Atílio (telenovela O Casarão) que pretendia fazer ouro a partir do esterco que remexia numa banheira. Este homem julga que a solução para a máquina de movimento perpétuo é um lubrificante feito à base de um azeite por ele muito alterado, obtido a partir de umas oliveiras que só crescem nas redondezas. Noite sim noite não, galga o muro da casa dos meus tios para lubrificar os 3 baloiços de forma distinta, imprimindo-lhes depois exactamente o mesmo movimento. Apressa-se a deixar a casa e é da rua principal que mede o tempo que cada baloiço demora a parar. Noite não noite sim, trabalha até de madrugada com base nas observações feitas na véspera.

Possui uma boa biblioteca e uma qualquer relação com as libertinas de Lisboa, que ficará por desvendar. Exerce uma estranha atracção sobre o autor, que o próprio não consegue explicar.


Em 2011, o Judeu atravessa o monitor e começa a escrever os seus próprios posts, também no Ouriquense.

 

 

Ricardo Chibanga

 

De onde vem Ricardo Chibanga? O Ouriquense é o desenvolvimento possível de um texto fundador, Ourique 1979, que trago para aqui, ligeiramente modificado:

 

Tudo rodopia em torno de um cartaz de touradas, não sei se pelo vermelho tauromáquico, o negro do touro ou o olhar intenso de Ricardo Chibanga. A impossibilidade física de edificar uma vila a partir de um cartaz desaparece dentro da cabeça. No fundo, trata-se de uma reconstrução que tem muito de restauro. Imagine-se no cinema. O cartaz aparece a voar, depois a rebolar amarrotado pelos montados, até parar num descampado com a certeza dos pioneiros, porque pressentiu a frescura de um riacho ou uma futura concentração de caminhos. O cartaz abre então como uma flor e fica a pairar à altura dos olhos, a pedir parede. E logo surge a parede, depois a casa que a justifica, a rua, dez ruas, o reservatório de água, mais ruas, antenas de televisão, a câmara municipal ao cimo da avenida que ainda não nasceu. Os reflexos de luz na pela de Chibanga são animados pela canícula das três da tarde de Agosto, vencem o branco incandescente da cal e permanecem como o centro geométrico da vila, que alastra em todas as direcções. O desabafo do médico da vila-"Ah! Chibanga, o grande Otelo do redondel"- ecoa ainda, primeiro ampliado pela ignorância de quem levou muitos anos a entender tais palavras, e depois renovado, não em eco, antes como se o médico se tivesse cruzado comigo outra vez, ainda com o jornal debaixo do braço e a umas dezenas de metros do café: "Ah! Chibanga, o grande Otelo do redondel". Não fora pelo médico e Ourique podia ser uma vila de surdos, rica apenas nos sons dos animais: o latido do cão, o guincho final do porco a estilhaçar o frio de Dezembro, o chilreio das ninhadas das andorinhas nos beirais. O tempo passava e Chibanga, curtido pelo Verão e ensopado pelas chuvas, parecia agarrar-se ao cartaz com a tenacidade dos náufragos numa jangada à deriva. Mas a vila morreu aos poucos: primeiro os avós, depois a romãzeira, a pocilga sem porcos, a casa a acumular varizes, a distância que não parou de crescer. A morte de Chibanga está ainda envolta em algum mistério: teria sido uma criança a descolar o último farrapo de cartaz? Teria sido o desleixado dono da casa, quando ao fim de vinte anos voltou a caiar as paredes? Ou terão colado um cartaz por cima a publicitar algo alheio à planície (o circo Cardinalle)? Nunca mais voltei a passar naquela rua. Às vezes penso que Chibanga não teve um final inglório. Imagino o matador a morrer de pé, no momento em que a parede ruiu e não me apetece ir ver se tenho razão.

 

Chibanga é a única personagem do Ouriquense animada de algum realismo mágico. Ele aparece na vila como um fantasma condenado para sempre a procurar os pedaços rasgados do seu cartaz. Curiosamente, se todas as outras personagens são inventadas ou estão efectivamente mortas, no mundo real Ricardo Chibanga existe e gere um negócio de arenas desmontáveis. A errância da profissão do Chibanga de carne e osso torna possível o confronto na arena entre um Chibanga sessentão, à paisana, e o seu fantasma trinta anos mais novo, de traje de luzes, naquela que será a única cena do Ouriquense em que, periclitantemente sentadas na bancada da praça montada sobre andaimes, todas as personagens vão interagir, nem que seja por uma simples troca de olhares. A trama desembocará nesta cena e então o Ouriquense repousará em paz.

 

As libertinas de Lisboa

 

As libertinas de Lisboa existem para manter a pureza da relação com Tatiana. O autor faz com elas tudo aquilo que tem vontade de fazer com Tatiana mas julga adequado censurar. A iminência de um ménage à trois é a cedência do Ouriquense que lhe retira o estatuto de objecto artístico puro, isto é, alheio a propósitos mercantilistas. Mas na verdade, embora sempre descritas como um par, o autor interage  apenas com uma ou a outra e nunca as duas ao mesmo tempo (excepção feita ao primeiro encontro). Tal como o narrador, também o autor as trata como uma única pessoa. Daqui decorrerão algumas situações rocambolescas.

 

As libertinas de Lisboa foram abandonadas sem honras de morte trágica. Desapareceram simplesmente de Ourique, dado o insucesso do folhetim que animavam, os Diálogos Eróticos.

 

 

Jaime, o moço de recados

 

O único surfista vivo de Ourique é o elemento de charneira, embora tenha sido até agora muito poupado. Existe no Ouriquense um desejo de bucolismo, só que assistido por veios capazes de bombear alguma civilização na vila. Esta incapacidade de assumir o interior em toda a sua esplendorosa desolação perdeu entretanto alguma espectacularidade - houve a melhoria dos retransmissores, dos satélites e depois a extensão das redes de televisão por cabo; ainda assim, vem com a lucidez desencantada de quem sabe que a cidade chega hoje à vila com o que tem de bom e também a porcaria que lhe é característica, porque só o correio asseguraria que recebesse em Ourique apenas o tal "génio elegante". Nisso - e no português diminuído - o Ouriquense se distingue de A Cidade e as Serras. Não se acredita aqui que só o campo fosse capaz  de recuperar Jacinto, nem se acredita que Jacinto fosse capaz de viver só do campo.

O moço de recados traz a civilização.  Na era da tecnologia, ele é mais do que um capricho, é uma excentricidade que corporiza a função redentora do estilo. Porque a tecnologia só encanta quando ainda não existe - os cenários futuristas  - ou quando deixou de existir - o "teatrofone" que fazia as delícias de Proust.

 

As capacidades cognitivas de Jaime são um dos mistérios que animam o Ouriquense. É possível que estejamos perante um idiot savant. A partir de 2011, Jaime começa a ganhar alguns dos traços de personalidade do adorável Mario Incandenza, do romance Infinite Jest.

 

Emília

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Emília é a mais importantes das quatro personagens que realmente existiram em Ourique e a que tem já um papel definido na cena final: ela trará uma limonada a Ricardo Chibanga e preferirá saciar a sede ao Chibanga fantasma, deixando o Chibanga real a morrer de sede. Emília aparecerá quase sempre acenando com o afinco daquelas pessoas que imaginamos ficarem ainda a acenar muitos minutos depois de termos saído do seu campo de visão. Este capricho narrativo colocará enormes problemas técnicos ao autor, pois o narrador, ao contrário da criança que foi, quase nunca abandonará Ourique.

 

Honório

 

É a segunda das personagens reais em importância. Bêbado e com lugar cativo na taberna do Mira, Honório é uma das tentações negras do narrador, pois chegará a cúmplice e executor nos planos para a morte de Igor. Mas se a consciência do narrador acusa o fardo de Honório, o único peso que este sente - e que apenas lhe aflora o cachaço - é o do gume da espada de Dâmocles com que um juiz em tempos o sentenciou.

 

Luís

 

A terceira personagem real em importância, Luís é o menino que nunca viu o mar e com quem o narrador percebe os limites da sua capacidade de expressão, em tentativas reiteradas de lhe explicar por palavras e sem outros meios a sensação de fazer carreirinhas, uma cena decaldada do momento de Children of a Lesser God em que William Hurt tenta explicar a uma surda o que é a música.

 

Torpes

 

A quarta personagem real em importância, Torpes, irmão de Emília, é o homem com quem voltamos à pesca na barragem e que manifesta uma notável veia aforística sempre que trespassa um peixei-rei com o anzol. Na edição em livro, muitas das Lições da Planície farão parte das intervenções de Torpes.

 

Gaspar, o cinéfilo, aka "o rapaz do cineclube"

 

O rapaz do cineclube representa o Ourique positivo, embora acuse também uma rebeldia a espaços niilista. O cinéfilo, que gere um cineclube alimentado por cópias de filmes roubadas nos cinemas da capital, está para a oferta cultural em Ourique como Robin Hood estava para o alívio fiscal das populações mais carenciadas de Nottingham.

 

Maik Magic (e Rosy)

 

Maik Magic (e Rosy) marcam um instante fundador no Ouriquense.

 

 

O ladrão de cuecas

 

Trata-se da única personagem resgatada a pedido dos leitores e servirá de pretexto a uma trama policial. Desaparecido durante mais de um ano, o ladrão de cuecas animará em breve um folhetim escrito ao jeito do blogger António Figueira, um especialista no género que traça a bissetriz entre o romance policial e o jornalismo de investigação criminal.

 

Adriano

 

Filho do Judeu. Não sabemos que futuro lhe dar.

 

Fausto

 

Inventando em Janeiro de 2011, para conter a contaminação das outras personagens com o desejo de intervir e reagir à actualidade, Fausto é o responsável pelo braço politicamente armado do Ouriquense, até 2011 um blog de pendor niilista-blasé, ateísta-não-praticante e melancólico-estóico. Fausto é o veículo para expressar ideias que o autor tem por válidas, mas que o envergonham pela ingenuidade, que lhes reconhece , e a possível estupidez, que admite.

 

Nuno Salvação Barreto

 

Ao contrário de Ricardo Chibanga, o fantasma de Nuno Salvação Barreto não tem qualidades mágicas, nem faz parte do enredo. No ecossistema estratificado que compõe o Ouriquense, O eremita está no topo, depois o Judeu, quando escreve na primeira pessoa, depois Salvação Barreto, quando censura o que foi escrito, depois as personagens, que ignoram a existência do Ouriquense.

 

Rita Pinamona

 

O segundo grande amor do Eremita e uma paixão epistolar. Rita Pinamona nasce na Primavera de 2011 e não chega ao Verão desse ano, mas em três meses acumula-se um acervo de cartas que a manterá como personagem até ao fim do Ouriquense.

 

 

LUGARES

 

A vila

 

Um sítio feio e onde não acontece nada.

 

O supermercado

 

Tatiana trabalha num Pingo Doce e é aí que o narrador normalmente se cruza com ela. A descrição já foi feita: "trata-se de um espaço sobredimensionado, à entrada da vila, que reproduz em Ourique a mesma sensação de total insignificância que experimentei nas grandes superfícies comerciais das cidades americanas. Curioso isto de ter sentido pela primeira vez a angústia da pequenez cósmica naqueles enormes supermercados, no IKEA de Nova Jersey, numa farmácia na periferia de algum subúrbio de alguma cidade de um certo estado (Florida?),  e não no planetário nacional onde me levavam quando criança, nem no que depois visitei pelo meu próprio pé, em Nova Iorque; só mesmo no Pingo Doce de Ourique recuperei a escala cósmica. Enfim, de lá trago também os dois litros diários de gaspacho de pacote - vivo a gaspacho e pão, o meu tracto intestinal é como uma viela de Buñol em perpétua última quarta-feira de Agosto (a Tomatina). Mas não trouxe ainda a Tatiana. Das 5 ou 6 empregadas com quem me cruzei, nenhuma tem um rosto passível de ser amado"

 

 

O cineclube

 

Por motivos óbvios, não estou autorizado a revelar a localização do cineclube, local onde se assiste à mais recente oferta cinematográfica, bem como a clássicos e obras entretanto esquecidas, num ambiente de clandestina cumplicidade e em que é permitido fumar. Os filmes são projectados sobre uma parede que é caiada todos os anos pelo rapaz do cineclube.

 

Cotovio

 

É no monte arruinado, à sombra de um plátano, que o narrador lê os grandes clássicos e obras de menor alcance, guardadas em tupperwares. É também no monte que se dedica disparar com uma espingarda de pressão-de-ar sobre comprimidos de composição conhecida e posologia incerta. As alterações no caudal da ribeira do Cotovio, uma espécie de rio Sado incipiente, servem para marcar a passagem do tempo.

 

O cemitério

 

O cemitério de Ourique lembra uma pedreira de mármore graffitada com as típicas inscrições fúnebres. A compilação dos nomes de todos os ouriquenses falecidos é um dos passatempos do narrador, que inspecciona e fotografa todas as campas, mas evitando sempre o confronto com o jazigo da sua família. Será Ricardo Chibanga que o levará pela mão a perfilar-se diante dos seus antepassados, obrigando-o depois a proferir umas quaisquer palavras simpáticas.

 

A taberna do Mira

 

Com mulheres nuas  nas paredes e copos de vinho ao balcão, na taberna do Mira todas as dimensões do espaço eram preenchidas por tentações masculinas, vigiadas por uma enorme cabeça de touro. A luz escasseava e entrava sobretudo pelas portas, criando uma atmosfera muito difícil de reproduzir num estúdio de cinema. A luz rasteira acentuava o escavado dos rostos e o contraste do vidro translúcido sobre o mármore opaco. A memória desta taberna, hoje encerrada e nas mãos de uma imobiliária, é imprecisa - não é seguro que o balcão fosse de mármore. O primeiro encontro com o fantasma de Ricardo Chibanga terá lugar diante da porta fechada da taberna e o narrador fará uso de todos os seus recursos para provar que lá dentro se encontra a prova perdida de que Ourique foi vila tauromáquica.

 

A casa dos avós

 

Um casarão a apodrecer no centro da vila e onde o autor passou férias na infância. 

 


 

Castro Verde

 

É a vila rival, o instrumento a que o autor recorre para limitar a simpatia que os nativos poderão sentir pelo Ouriquense.

 

A romãzeira

 

É a única árvore do quintal dos avós que resiste à reconquista do quintal abandonado pela natureza. 

 

LINHAS DIRECTRIZES

 

O amor a Tatiana

 

O amor a Tatiana é a grande força motriz do Ouriquense, na sua primeira fase. Mas a cada sucessiva gravidez da ucraniana esse amor vai esmorecendo e há até razões para pensar que o ódio a Igor é uma sensação mais completa e fundamentada. 

 

Actividade remunerada


O narrador não trabalha desde Julho de 2008 e a sua conta bancária vai minguando a olhos vistos. Essa pressão leva-o a tentar encontrar uma fonte de rendimento, mas sempre sem sucesso.

 

Vasco Graça Moura

 

Um dos poucos traços comuns a BW, o projecto ultra-secreto, e o Ouriquense é o fascínio por Vasco Graça Moura, o tradutor, poeta, romancista, intelectual do cavaquismo e defensor da língua e do património. A partir de 2011, o narrador fica obcecado com os métodos de trabalho do prolífico autor e pretende saber se ele fez efectivamente todos aqueles versos decassílabos ou se tem uma equipa que trabalha na obscuridade. 

 

Carreira de Tiro

 

A carreira de tiro, em rigor, mais não é que uma zona no monte com uma azinheira de ramos cansados, bons para suportar garrafas e outros alvos, nomeadamente comprimidos e drageias. Simboliza a tensão latente com o universo dos psicofármacos.

 

OFICINA LITERÁRIA

 

O projecto ultra-secreto de código "BW"

 

O Making of de um grande romance luso, que também tem a sua tábua de personagens

 

Um tributo a John Coplans


Uma autobiografia do corpo, entre a puerilidade do ginásio e a dificuldade de domar a Apercepção de si e Corpo em Maine de Biran.

 

O livro de todos os desportos

 

Uma colecção de histórias de desporto, a lançar em volumes de quatro em quatro anos, coincidindo com os jogos olímpicos: "Ases, para que vos quero?" (ténis), "O benjamim dos Rasmussen" (tobogan),"Uma namorada para Kim Myong-Guk" (halterofilismo), "A revolta dos fiscais de linha" (futebol), "A décima primeira maratona de Samuel Makau"(atletismo), "O nosso antídoto é o teu veneno" (futebol)...

 

Viagens

 

Relatos de viagens inventadas: Mustang (um coast to coast), uma visita ao Gana  e Machu Picchu y nada más. Ainda não as consegui vender. 

 

Lições da Planície

 

Aforismos e afins, com ligação a uma qualquer experiência que não está a mais de 48 do acto da escrita. Periodicamente, é feita uma selecção em séries de 10, os Decálogos da planície.

 

Quem matou Igor?

 

Um policial com spoiler warning e um pretexto para visitar Espanha.

 

Geodésicas

 

Uma tentativa de dar ao impulso inicial as condições necessárias para mais nada ser preciso, atribuindo a um lugar propriedades sobrenaturais:

 

"Só que no outro dia, quando descia do monte encimado pelo marco geodésico e caminhava ladeado de arbustos que se enchem de flores brancas na Primavera, flores grandes, capazes de atrair abelhas e até apicultores, senti ali, ali mesmo, não uma promessa de Primavera mas algo que, à falta de outro termo, eu diria, sem mais demoras, poder ser descrito como "inspiração". Se sempre pensara que a inspiração descia sobre os homens vinda dos céus, experimentei algo distinto: a minha inspiração subiu-me pelas pernas e vinha tão carregada do cheiro aos actinomicetos da terra molhada que, em rigor, também me entrou pelas narinas. Estaquei logo, como se fosse um  descobridor de água por radiestesia que, de súbito, sente vibrações no seu graveto em forquilha. Sentei-me num pequeno afloramento xistoso, senti a pedra quente, etc., tirei o bloco de notas e comecei a escrevinhar impacientemente, freneticamente e depois obsessivamente (...). Nunca nada assim me havia acontecido. Há homens que têm dias triunfais; eu tive umas boas 3 horas triunfais. E materializou-se uma história no fim. Uma história em que não havia sequer pensado até então, nem mesmo quando estava junto do marco geodésico, mas que não é filha da escrita automática. A história não tem qualidade para se apresentar ao público e só a sua génese importava contar".

 

A verdade é que só ainda foram paridas duas geodésicas: A Educação Pornográfica de Inácio Ramalho e Ainda há Tubarões na Ponta do Sol.

 

Leituras sob o plátano

 

Moby Dick, Cartuxa de Parma, Guerra e Paz, Infinite Jest, Quijote, Recherche, Pais e Filhos.

 

15
Mai11

O projecto editorial de Fausto


Eremita

Reformulado 

(esta votação acaba quando for atingido o resultado desejado: "Contra Lisboa")

 

 

 

 

Fausto quer lançar um jornal. Disse-lhe que é difícil obter crédito e que se calhar era melhor fazer um blog. É possível que Fausto comece a escrever - "mas só editoriais" - no Ouriquense. Tudo o que ele fizer é da sua exclusiva responsabilidade. Como sabem, a política não me interessa, sou anarco-niilista; o Fausto é que se preocupa com o Arco do Poder, A Grande Ogiva do Sul, o Triângulo Ocidental, o Hemiciclo, a Quadratura do Círculo e outras noções de geometria descritiva. Em todo o caso, expliquei-lhe como vinga um blog político - persistência, escolha judiciosa dos enlaces, rapidez -  e sugeri-lhe vários nomes para a sua futura publicação. Disse-me que ia pensar, mas estamos já a trabalhar o design dos posts. Entretanto, o leitor pode participar e decidir qual o nome dos editoriais de Fausto:

 

 










 

27
Abr11

O jardim de Fausto


Eremita

 

 

 

 

Como todos os cemitérios católicos, o de Ourique é feio de dia e assustador de noite. Por isso, a proposta de Fausto não chega a ser luminosa e não será sequer original. Ele quer fazer em Ourique o primeiro cemitério luso que seja um jardim. Um cemitério sem distinção de classe, para "respeitar Abril", em que não haveria campas modestas e jazigos luxuosos, apenas um "relvado interrompido por árvores e arbustos". Um cemitério em que cada família teria direito a escolher árvore que sinalizaria o local onde o seu morto foi enterrado, para que o jardim crescesse com jacarandás, magnólias, cerejeiras e sobreiros, que são árvores belas, mas também laranjeiras, que são árvores banais e de pomar, não adiantando logo Fausto que destino dar às laranjas, embora já tivesse pensado no assunto, por não gostar de encalhar a visão global em detalhes. Fausto partilhou a sua ideia comigo para a testar antes de ir falar com o presidente da câmara, mas também porque sabe que eu tenho uma lista de todas as famílias com mortos enterrados em Ourique e esse dado importa no cálculo do número de árvores e arbustos e da distância mínima que os deve separar.

 

Creio que o ajudei, porque ele vinha com uma proposta urbana e partiu com outra ideia: a de fazer um cemitério ao estilo de um montado, em que cada árvore tivesse a privacidade do sobreiro, mas podendo ser outra árvore qualquer. Ourique ficaria com o maior cemitério do território nacional e seria sempre Primavera, pois Fausto está seguro de que existe uma variedade de trigo que está verde e espigado o ano inteiro e se pode manter como o tal relvado que primeiro imaginou, bastando instalar um sistema de rega. Em qualquer altura do ano uma parte da seara estaria a ser ceifada, para que os pequenos roedores e a lagartada ficasse desprotegida e as águias de asa redonda nunca abandonassem aquele céu, de resto também rico em planadores, asas delta  e até parapentes lançados de lugares distantes, como a serra de Monchique e a pousada de Palmela, porque os estreitos caminhos serpenteantes desenhariam o mais belo dos labirintos, que deixaria de ser segredo e até estaria descrito nos guias turísticos, mas com o pedido explícito e sempre respeitado de não levar para ali máquinas ruidosas. O padre da vila alinharia, na lógica do "se não podes vencê-los..." e faria das silhuetas aladas o símbolo da cruz, aceitando que se enterrassem os corpos envolvidos numa mortalha de linho, para que as raízes mais depressa a eles chegassem, e teria ainda em atenção a meteorologia quando lançasse à terra as cinzas dos locais produzidas no crematório de Ferreira do Alentejo e trazidas de volta a Ourique, para que o vento não as dispersasse além do perímetro destinado a cada família. As peregrinações de simpatizantes do partido ecologista Os Verdes seriam escorraçadas por milícias de ouriquenses, que ergueriam uma vedação de arame farpado para dissuadir os forasteiros que ali também quisessem enterrar os seus mortos. Só os nativos de Ourique teriam direito ao cemitério, bem como os maridos das mulheres de Ourique, desde que não fossem de Castro Verde.

 

Continua, embora me pareça que o essencial foi exposto.

19
Jan11

O grosso do iceberg


Eremita

 

 

A maior dificuldade em escrever o Ouriquense é evitar a deriva para o completo delírio. Nenhum destes textos sai com esforço (pelo menos abaixo dos três parágrafos) e imagino-me a fazer isto até ao fim dos meus dias - se não encontrei um sistema para vencer o casino, encontrei uma forma socialmente tolerável de me sentir omnipotente. Mas resistir a começar um diálogo entre o eremita e Fausto sobre as grandes questões sociais, com uma tradução simultânea em coreografia de jogo de ténis, é muito difícil; nisso empato a parte maior do esforço que dedico a este blog.

19
Jan11

Fausto smashes back


Eremita

Fausto não andou a estudar a reforma agrária e em vez de uma resposta devolveu-me uma pergunta. Esta situação, no ténis, deve corresponder a um lob meu, que parece ganhador, mas ao qual Fausto responde com reflexos rápidos e uma grande aceleração de pernas, posicionando-se muito bem, não como aqueles que ficam de costas para a rede e se preparam para devolver a bola por entre as pernas, porque Fausto não joga bonito, antes já de frente para a bola e com o braço armado para um smash. Não sei sinceramente como isto aconteceu. A pergunta de Fausto:

 

- E tu, que legitimidade vês na apropriação privada da terra?

19
Jan11

Um pantomimeiro


Eremita

Pernoitei em casa do Judeu, que conhece as minhas fraquezas como poucos. Ele sabe que a única frustração orgânica que tenho é quase nunca me recordar dos sonhos, pois o sonho mais banal de qualquer pessoa parece-me ser infinitamente superior a qualquer das ficções que concebi ou venha a conceber. Conhecer as fraquezas secretas dos outros comes with great responsibility. Se, em regra, tende a ser uma ferramenta para o mal ou para o bem, o Judeu consegue usá-la com a graça doseada na exacta medida que anula qualquer intenção malévola ou altruísta, para sobrar apenas o instante. E o instante foi acordar hoje com o esboço deste homem desenhado a lápis, o lápis ao pé da cama e o Judeu a entrar no quarto, perguntando se aquele desenho era meu e quem era aquela pessoa. A partida não durou duas horas. Fiquei a saber que o Judeu usa a internet, o que me entristeceu um pouco, devo confessar. Mas o mais curioso foi a certa altura termos dito em simultâneo: "parece o Fausto".

 

Via Samizdat

07
Jan11

Início dos doze trabalhos de Fausto


Eremita

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(pub) fonte

Ovos Biológicos

Passados 35 anos, há ainda expropriados que não receberam as indemnizações. Não deveria o Estado ter agilizado o processo?

Considero que isso é inadmissível. Por mais que se diga o contrário, em Portugal, o Estado não é uma "pessoa de bem". Não respeita o Direito que cria, mesmo se exige que os outros o respeitem.

Na altura da Lei Barreto, as terras ocupadas estavam a produzir mais do que antes da reforma agrária?
Nuns casos sim, noutros não. Em 1974 e princípios de 1975, por causa das ameaças existentes, alguns lavradores reduziram as sementeiras e os trabalhos. Mas esse não foi o factor determinante. Os ocupantes, em geral, quiseram demonstrar a sua "superioridade", por isso semearam o mais possível, mesmo com riscos de não fazer os pousios adequados, o que causou problemas. De qualquer maneira, a ideia de que no Alentejo havia milhares e milhares de hectares não cultivados era um mito ou uma mentira. Havia alguns casos, mas nada que se pareça com o que se dizia. E ainda diz... É preciso ter em conta o facto de o Alentejo ter condições muito especiais e ser terra de sequeiro. O montado é seguramente a fórmula ideal, tanto económica como ecologicamente, para cultivar aquelas terras. Os ocupantes de 1975 fizeram, nalguns casos, tantos disparates quanto a Campanha do Trigo dos anos vinte e trinta dos idos de Salazar...


Quem mandava nas terras à altura da Lei Barreto?
Em teoria, no Verão de 1975, o Estado. Na prática, os ocupantes, as Unidades Colectivas de Produção (UCP) e o PCP. Era uma espécie de território conquistado. Chegou a haver casos, não poucos, em que brigadas civis vigiavam a circulação automóvel, identificavam passantes, etc.


Que efeitos teve a reforma agrária na agricultura portuguesa? E que efeitos teve o fim do regime da reforma agrária?
Efeitos importantes e duráveis da reforma agrária? Nenhuns. A não ser que dividiu a população, abriu feridas e criou conflitos. Por outro lado, durante dois anos, garantiu salários (não necessariamente emprego ou trabalho) a uns milhares de trabalhadores. Alguns potenciais empresários foram-se embora. Muitos trabalhadores também. Os factores de abandono dos campos retomaram, o que aliás aconteceria de qualquer maneira, ainda por cima com a Política Agrícola Comum europeia.  Declarações em 2010 de António Barreto, que foi minsitro da agricultura entre 76 e 78.

Fausto quer convencer-me a instalar uma produção de ovos biológicos no Cotovio, mas disse-lhe que primeiro precisava de ouvir a sua posição sobre a reforma agrária e a "lei Barreto". A "lei Barreto" ocupa um lugar especial. Salvo erro, é a única lei conhecida  por leigos pelo apelido do seu principal responsável, ou seja, está para as leis como "kafkaesco" e "quixotesco" para o léxico - aliás, mark my words: sonho escrever um western-épico alentejano (depois filme, com banda sonora dos Dead Combo, se a banda ainda existir em 2018) e o título será A Lei Barreto, que cumpre a regra mágica dos bons títulos (a exclusão de verbos*). Mas Fausto, que me parece ser de outro mundo, sem chegar a descer do jeep fez um esgar de desdém ainda eu não tinha terminado de falar e, quando arrancou apressado, usou a tracção às quatro rodas para frisar ainda mais o seu desagrado. Creio que me despreza, mas é um sentimento recíproco. Pelo que percebi desde que ele se instalou na vila, não fez por merecer o dinheiro que tem, é um simples herdeiro. A verdade é que tem mais dinheiro que eu para investir e em Abril a minha conta estará a zero.

 

* Esta regra é da autoria de Eduardo Cintra Torres e foi por mim aperfeiçoada, pois a verdade é que os verbos podem existir no título, bastando que apareçam no infinitivo. Trabalhar Cansa e Ofício de Viver são bons títulos, ideais para pequenas livrarias com prateleiras de boa madeira; Fazes-me Falta e Agarra-te ao meu Peito em Chamas são péssimos títulos, ideais para grandes superfícies comerciais.

02
Jan11

Fausto


Eremita

 

 

A grande resolução para 2010 é cumprir as dos anos anteriores. Mas junto uma outra: criar no Ouriquense um braço politicamente armado. Este desejo provavelmente implicará o nascimento de uma nova personagem, pois não quero comprometer nenhuma das outras com o país. A nova personagem será alguém da cidade que também se instala no campo, mas com espírito empreendedor, ao contrário deste vosso narrador, cujo empreendedorismo (falhado) fica pelas letras. Creio que a vou compor com alguns traços do Pessoa menos conhecido (ver o livrinho de Mega Ferreira sobre os projectos empresariais do poeta) e outros traços de Bouvard e de Pécuchet, as personagens do romance póstumo e incompleto de Flaubert, que também migram para o campo à custa de uma herança. A série que esta personagem escreverá será "Como se levanta um montado" e tentarei que este homem seja um pouco menos estúpido que os dois franceses, mas apenas por chauvinismo - ou então porque Flaubert era infinitamente mais inteligente do que eu e só o génio é capaz de criar o seu contrário.

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