Sobre o anonimato
Eremita
Nos primórdios dos blogs, discutiu-se muito a questão do anonimato. Não pretendo repescar esse debate bolorento, apenas deixar uns esclarecimentos. O Ouriquense é um blog escrito sob pseudónimo por capricho. Não há nenhum texto aqui que não fosse capaz de assinar com o meu nome. Aliás, a minha família, muitos amigos e conhecidos sabem que escrevo o blog e não me dou sequer ao trabalho de lhes pedir que guardem silêncio. Creio que o meu anonimato só não é um segredo ainda mais mal guardado porque não sou uma figura pública, antes um cidadão normal.
O anonimato, como quase tudo, pode ser bom, mau ou neutro, dependendo do uso que lhe damos. Creio que, no caso do Ouriquense, não há vício nem virtude na forma como uso o anonimato; será um uso neutro. Não recorro ao pseudónimo para caluniar (o vício, que só os "socráticos" me atribuem) nem como exercício de liberdade de expressão ou para divulgar informação delicada e pertinente para a sociedade que me poria em perigo caso se soubesse quem sou (a virtude). Nunca escrevi um texto arriscado a denunciar algum poderoso ou algo do género que aumente a probabilidade de acordar com uma cabeça de cavalo na cama. Talvez por isso, isto é, por o pseudónimo ser um capricho dispensável, tenho sentido uma tentação crescente de abdicar dele, sobretudo desde que comecei a debater a actualidade, atraiçoando o espírito do Ouriquense. Enquanto escrevia só ficção e no registo autobiográfico, o pseudónimo era-me confortável e útil, pois ajudava a criar ambiente, a alimentar a ilusão de que vivo em Ourique e obrigo a minha família a estar longe dos luxos da capital por motivação ideológica ou algo assim - como a personagem principal de The Mosquito Coast. Escrever um diário trasladado, isto é, transportar as experiências quotidianas do lugar onde estou para o lugar onde finjo estar, ainda me parece um exercício útil, mas é verdade que não o tenho praticado. Espero que volte a esse registo rapidamente, mas enquanto andar perdido a comentar a actualidade, o uso do pseudónimo será um incómodo.
Cada um saberá de si e há casos e casos, mas quando vejo alguém a falar em "coragem cívica" a propósito do que cidadãos sob pseudónimo defendem José Sócrates, apetece-me gritar "alto e pára a reinação", pedir time out e levantar a máscara. Chamo-me Vasco Barreto, escrevi no Blogue de Esquerda, depois criei o A Memória Inventada e o Conta Natura, entre outros projectos colectivos mais ou menos falhados, antes lançar o Ouriquense. Não moro em Ourique, mas em Oeiras, e sou casado, vivendo com as duas filhas mais velhas da minha mulher e as nossas duas gémeas. Trabalho num instituto de investigação biomédica. Defender Sócrates sob pseudónimo não é um acto de coragem, mas também não é um acto de cobardia. Para mim é um acto de gente alucinada e falar em coragem revela uma panca quixotesca forte. Eu admiro o Valupi pela inteligência e persistência. Não o admiro pela coragem, mas também nunca direi que é cobarde por escrever sob pseudónimo ou que deve abdicar desse direito, seja qual for a sua motivação (capricho ou necessidade). Enfim, cumprida a minha tímida, episódica e irrepetível revelação, volto a assumir o pseudónimo e sempre que o anonimato for assunto terei o link deste post para mostrar, não precisando assim de voltar a escrever o meu nome. Raios, isto custou. Ter escrito aqui sobre a natureza do meu trabalho verdadeiro deu-me até uma ligeira agonia. Perdoa-me, por favor, Nuno Salvação Barreto. E agora adiante. Falta cumprir o Ouriquense.