Rui Torquemada e Rita Rato
Vasco M. Barreto
Em resumo e até aqui, não vejo problema em Rita Rato ser diretora do Museu do Ajube: houve um processo de recrutamento aberto em vez de uma indicação direta e se Rita Rato o ganhou entre dezenas de candidatos é porque demonstrou méritos para exercer o cargo ao qual se candidatou — o que até nem surpreende quem, sendo de um partido e de uma família ideológica bem distinta, e não a tendo nunca conhecido pessoalmente, seguiu a trajetória de Rita Rato.
Não; o problema de Rita Rato é outro — e pode mesmo ser insuperável. Não creio que Lisboa enquanto cidade, e o Museu do Aljube enquanto espaço de memória da resistência política em particular, possa conviver com uma diretora que tenha tido declarações que possam parecer como minimizando realidades historicamente comprovadas e de magnitude inescapável da repressão política no século XX. Rui Tavares, Público
Gosto muito de discordar consecutivamente, sobretudo quando a segunda discordância não se pode deduzir da primeira. Rui Tavares parece estar duplamente equivocado. O primeiro equívoco é a pose de contrarian, a mostrar que não tem cumplicidades corporativas. Ficaria sempre bem para consumo externo, não fosse estar a marimbar-se para os critérios que regiam o concurso, nomeadamente a "Experiência em funções similares (preferencialmente na área dos museus)" e a "Experiência em programação e produção de exposições”.
O segundo equívoco é a aparente crença de Rui Tavares no poder da redenção. Para os mais distraídos, lembro que parte da contestação a esta nomeação decorre de uma entrevista de 2009 em que Rita Rato terá desconversado a propósito do Gulag, um acontecimento que descreveu como “uma experiência” que “admitia” que “pudesse ter acontecido”. Rui Tavares pede agora a Rita Rato que se retracte para pacificar a nomeação. Talvez seja um pedido retórico. Em todo o caso, surpreendi-me com esta crueldade inquisitória e vã. Porque a situação de Rita Rato é trágica: se não comentar o assunto, será acusada de cobardia e comodismo; se reafirmar o que disse sobre o Gulag, vão louvar-lhe a coerência à Cunhal mas complica a sua carreira; e se disser o que Rui Tavares pretende, vamos concluir que cedeu à tortura mediática e disse o que queriam que dissesse. Nem se citasse Solzhenitsyn de cor haveria salvação para Rita Rato.
Adenda a 10.07.2020: concentro-me sempre no acessório. O comentário definitivo é o do malomil.
Adenda a 11.07.2020: no texto de João Pedro George encontramos alguns dos votos de Rita Rato no Parlamento "sobre regimes autoritários, resistência às ditaduras, luta pela liberdade e prisões políticas". Mesmo não sendo novidade nenhuma a cumplicidade do PCP com o totalitarismo de esquerda, a enumeração é tenebrosa. George faz ainda o jornalismo necessário, tendo falado com outros candidatos (todas mulheres, curiosamente) e exposto a incoerente justificação do júri do concurso para a escolha de Rita Rato. Bom trabalho.