Rui Pinto e a imagem de Portugal
Eremita
Logo a seguir à Operação Marquês, o binómio Football Leaks-Luanda Leaks é o segundo grande teste de stress à justiça portuguesa. A muitos níveis, este caso consegue até ser mais interessante do que os problemas de Sócrates com a justiça. O desgastado ex-PM está hoje reduzido à reputação de vilão vaidoso, o que acaba por ser aborrecido enquanto espectáculo. Pelo contrário, ao jovem Rui Pinto com cara de querubim de banda gótica atribuem-se qualidades e defeitos, condição essencial para que uma personagem tenha espessura. A Operação Marquês não gera já qualquer polémica na sociedade, agora que se esgotou a crítica à fuga ao segredo de justiça, nem coloca o cidadão perante um dilema. Começamos simplesmente a ficar cansados pelo tempo que o processo já consumiu e a perspectiva da sua eternização. Com Rui Pinto sucede o oposto. O sucessão Football Leaks-Luanda Leaks é fascinante pela exuberância de actualidade. De certo modo, o movimento de apoio a Rui Pinto que começou na última semana nas páginas do Público (Pacheco Pereira, André Lamas Leite, Manuel Carvalho...), apesar das diferenças técnicas, soa a defesa tímida da justiça negociada ("delação premiada" ou colaboração premiada) poucas semanas depois de uma discussão em que a Intelligentsia condenou no abstracto esta ideia recorrendo à famosa “teoria dos frutos da árvore envenenada”. É uma situação paradoxal, pois dizem-nos que nas discussões sobre a justiça não podemos ter casos particulares em mente, mas não só parece ser grande a vontade de discutir um caso concreto, como a conclusão a que se está a chegar difere daquela destilada em abstracto. O caso fascina ainda por colocar em xeque não só a justiça e os media, mas também toda uma sociedade subjugada ao mundo do futebol; o comentador político que também comenta como adepto profissional é a exteriorização mais patética desta monocultura em que o país se transformou. Visto do exterior, Portugal emerge como um país medíocre que foi cúmplice do assalto ao povo angolano e persegue agora o seu Snowden porque o Benfica é uma instituição intocável (1, 2). Para Marcelo, o incansável fã de Portugal, isto deveria ser uma preocupação.