Rudimentos de estética
Eremita
O que apetece dizer, para encetar uma possível discussão com estes detractores, é que de facto eles têm toda a razão. Mas a razão que têm já tem mais de dois séculos, já a encontramos na Estética de Hegel, quando ele afirma que a obra de arte não é, para o homem moderno, a aparição concreta do divino, já não põe ninguém em êxtase, mas é apenas uma ocasião privilegiada para pôr em acção um juízo crítico sobre a arte que tem tanto valor como a própria arte. A verdade suprema da obra de arte, aquela que Hegel dizia ter chegado ao seu fim, enunciando assim o axioma conhecido como a morte da arte, é agora o puro princípio criativo-formal. Podemos dizer isto de outra maneira: a arte do nosso tempo obriga-nos sempre a colocar o negativo da arte, a não-arte, no seu horizonte. Sim, é verdade, a escultura de Pedro Cabrita Reis, assim como toda a arte desde os finais do século XIX, volta para nós a sua face obscura (mesmo que sejam vigas de ferro pintadas de branco) fazendo-nos ver que não é possível nenhum juízo crítico que não tenha em conta esta junção da arte com a sua sombra, com a não-arte. E é só a partir deste princípio que podemos começar a discutir criticamente a peça de Cabrita Reis na Leça da Palmeira (assim como grande parte do corpus da arte moderna e contemporânea). Vir para os jornais dizer “isto não é arte” é mais ou menos o mesmo que chegar a uma festa muito depois de todos os convidados já se terem ido embora (e, dessa festa, já só guardarem uma memória melancólica) e começar a gritar: “Que fraude, a festa para que fui convidado afinal não se realizou, o que vejo à minha frente não tem nada de festivo”. António Guerreiro, Público