Qual foi o vosso 23-F?
Eremita
A crítica de Tolstói à teoria dos grandes homens como motor da História tem aspectos de pura alucinação. Felizmente para ele, o ensaio propriamente dito surge no fim de um calhamaço que, apesar de elogiado por todos, vai fazendo muitas vítimas à medida que se avança na leitura e são poucos os que efectivamente chegam ao fim em condições anímicas e físicas para criticar o ensaio. Mas a verdade é que também não conheço nenhuma boa defesa da teoria do grande homem e julgo que esta teoria é hoje uma relíquia intelectual do século XIX, apesar de Jorge Jesus.
Engana-se quem pensar que me preparo para diminuir a importância da intervenção de Juan Carlos na tentativa de golpe de Estado de 23 de Fevereiro de 1981. Apenas me parece que a teoria do grande homem e o seu impacto na vida de todos deveria ser discutida em paralelo com a teoria do grande momento e o seu impacto na vida de cada um. A vida parece decorrer segundo equilíbrios pontuados (ou intermitentes), tal como Stephen Jay Gould e Niles Eldredge propuseram que as espécies evoluem, isto é, vamos vivendo habitualmente até que um acontecimento interrompe este equilíbrio e cria grande reboliço, antes de se entrar numa nova rotina. Bem sei que os paralelos entre a ontogenia e a filogenia são coisa batida que tende a correr mal, e não sei sequer se esta visão da existência é apenas uma forma de tornar a vida mais interessante enquanto relato, pois o gradualismo é uma grande chatice que não faz heróis. Em todo o caso, a pergunta do título é retórica e apenas um convite à introspecção.