Plano pessoal de releitura
Eremita
Até há uns dias, sabia de Agustina aquilo que se aprende de ouvido: escrevendo à mão e quase sem emendas, foi prolífica (ao contrário de outros que não resistem à tentação de anúncios que depois não cumprem, apenas reiteram, a autora parece mesmo ter deixado de escrever e desapareceu da vida pública), era coquete nas entrevistas, conservadora sem ser aborrecida, sendo até desconcertante, e muito apreciada pelas raparigas literatas de direita e até algumas de centro-esquerda, tanto pela veia aforística hipertrofiada como por uma valorização das mulheres alheada das vagas feministas do século XX. Mas desconhecia a sua prosa, pois falhei uma primeira tentativa de ler os seus Contos Impopulares, li depois O Livro de Agustina, que me pareceu uma autobiografia escrita de modo displicente, e antes tinha lido um conto, O Rato, sem ter ficado convencido com o sentido de humor da autora.
Depois dos quarenta anos, qualquer escolha de leitura vem com o peso de um item de bucket list. Seleccionei A Sibila (romance de 1954) e A Ronda da Noite (de 2006). A outros autores lusófonos que desconheço ou conheço mal conto dar o mesmo tratamento, isto é, ler duas obras, incluindo a mais emblemática e uma outra, bem afastada da primeira no tempo, tema ou forma. Tudo parecia bem encaminhado: a leitura de A Sibila foi compensadora e preparava-me para atacar a outra obra, mas pensei depois se não deveria reler de imediato o que acabara de ler. É bem possível que a qualidade e a estrutura circular de A Sibila propiciem o embalo para a releitura, mas depois dos quarenta anos qualquer releitura de algo que se acabou de ler é um capricho que a condição de mortal não recomenda. Paciência. Admitindo que, quando chegar de novo fim, conseguirei libertar-me deste livro e não ficarei até à velhice aprisionado por estas páginas, juntarei umas impressões sobre a escrita de Agustina, uma vez concluída a (re)leitura de A Ronda da Noite.