(Olá, Eremita) João Leal, uma coisa que a escola deve promover, de certeza, é a capacidade de interpretação de textos. Acho que houve uma altura em que isso fazia parte de uma única disciplina, porque era preciso ensinar os funcionários a redigir e a ler textos. Portanto, com um bocadinho de empatia pelo pobre despacho, uma qualidade muito útil nestas circunstâncias, chegamos a entendê-lo melhor (Isto faz-me lembrar as eternas discussões sobre o preâmbulo da constituição e a via para o socialismo). De qualquer forma, poderíamos continuar aqui as elocubrações sobre o que significa “promover”, o que se entendeu, ou o que se pretende, mas esse seria um exercício algo falso, porque desconfio que nenhum opositor do despacho o desentendeu e está sinceramente preocupado com a eventualidade de os professores escolherem no princípio do dia o género dos miúdos, obrigando-os a ir à casa de banho respetiva, ainda que lhes falte a vontade. Seria uma distopia engraçada, mas os burocratas do ministério não têm imaginação para tanto. Outra preocupação, mais lógica, mas não menos tonta, é que as crianças iriam convencer a escola que eram do sexo oposto, para irem espreitar as outras à casa de banho. Tive amigos e colegas, carismáticos, capazes dessas artes do diabo, mas acho que os miúdos agora são muito infantis. Para além de que nenhum, em tempo algum, precisou disso.
Sobre as sessões de esclarecimento, note que é isso que a escola é desde que há escola. A escola faz o quê? Esclarece coisas em sessões diárias. Nunca cheguei a assinar uma autorização para que esclarecessem o meu filho que uma nave espacial não atravessa a galáxia em meia hora, coisa que o poderia até ter traumatizado, depois de anos a ver coisas como o star wars. Por maioria de razão, também não vejo necessidade de assinar autorização para que ensinem ao meu filho que existem outros modos de vida e que os deve respeitar. Até porque essa é uma verdade mais científica do que outras coisas que lhes ensinam, como, por exemplo, que a Agustina é melhor do que o Júlio Dantas.
Eu tenho a certeza que o Vasco vai escrever um texto brilhante sobre o assunto. Vou lê-lo pelo puro gozo de o ler, o que não é nada pouco, e por um acréscimo de coisas sobre genes e outros micróbios. O essencial, o simplezinho, aquilo que se deve aprender em criança e que e na maior parte dos casos aprende-se mais tarde do que se deve, já aprendi. São coisas que devem preceder a aritmética. No bairro onde cresci, cresceu também um rapaz, mais velho do que eu, que sempre se sentiu mulher e sempre se vestiu de mulher. Acabou por mudar de sexo. Uns aprenderam a respeitá-lo, a maioria (inclusive pessoas bens mais velhas), outros não. Nunca me tinha ocorrido isso, mas tenho pensado agora no que seria o seu quotidiano na escola, em coisas comezinhas para os outros miúdos.