Paulo e André (8)
Eremita
Por confiar nele, o seu grande amigo de infância, filho do grande amigo do seu pai, Paulo confessou a André que era infiel à sua mulher. André não acusou surpresa, como se já o soubesse. E aproveitou para se gabar de que era fiel à sua mulher praticamente desde que se tinham casado. Explicou assim: "É essencial que cometas a pior das infidelidades quanto antes e que o teu remorso te iniba de reincidires, mesmo nas pequenas escapadelas. Ficas condicionado, percebes?” No seu caso, a solução fora enrolar-se com uma das madrinhas entre o copo de água e a primeira noite de núpcias. Desde então, a simples tentação em pensamento angustiava-o e chegou mesmo a dar-lhe vómitos. Paulo ficou tão abalado que nem se lembrou que a madrinha em questão era a sua irmã; perturbava-o mais saber como poderia ele, já casado e tão necessitado de se livrar do adultério, aplicar o ensinamento do amigo. Como que adivinhando a sua angústia, André despediu-se rematando: "E lembra-te que este método, embora concebido originalmente como profilaxia, a julgar pelo que me contam alguns amigos, também é terapêutico". Durante dias, várias ideias desfilaram pela mente de Paulo, sempre lhe escapando a justa medida, porque todas lhe pareceram demasiado inócuas (a colega de trabalho) ou horrendas (a sogra). A oportunidade surgiu com a gravidez da sua mulher. Logo na noite após o parto, Paulo procurou uma antiga amante. Na manhã seguinte, era um saco de remorsos e jurou nunca mais ser infiel à sua mulher. A verdade é que o estratagema não funcionou. Desesperado, pediu o divórcio, sem nunca lhe contar as suas aventuras. E logo procurou novo casamento, mostrando na escolha das madrinhas um interesse que a noiva interpretou como prova do seu amor. Tamanho apego ao protocolo é raro, inclusive nas profissões mais exigentes.