Os idiotas inúteis
Eremita
O caso é um óbvio tão ululante que, vários dias passados, não apanhei ainda ninguém a dar o nome e a honra por Costa e Medina, nem sequer aqueles contrarians de ocasião que andam por aí em busca de protagonismo; a propósito, aqui em Ourique acusam-me de tal fraqueza, isto é, de pôr o ego à frente das causas com frequência, mas desta vez nem eu explorei a oportunidade de capitalizar na defesa de Costa. Os casos que são óbvios ululantes põem os cronistas em confronto directo: sendo o conteúdo das crónicas comum a todas, porque não há complexidade nem nuance capaz de gerar dissenso, quem consegue a melhor forma? Dos vários textos que li sobre a presença de António Costa (e Fernando Medina) na lista de honra de Luís Filipe Vieira, o melhor – de longe – é o de Rui Tavares e podemos concluir que ter leitura faz a diferença. Mas quando adornamos o argumento com alusões históricas ou literárias, logo surge a acusação de pseudo-intelectualidade ou elitismo da parte daquela malta insegura ou ressentida. E não é certo que a elegância aumente a eficácia do texto, sobretudo naqueles momentos em que mais vale optar pelo curto, grosso e simples.
A Operação Lex é um dos episódios mais graves da história da democracia portuguesa. O seu impacto é difícil de estimar. Não só porque atinge a cúpula da Relação de Lisboa – ou seja, envolve a compra de vários juízes de um tribunal superior, algo absolutamente inédito –, mas também porque tem implicações em dezenas, senão centenas de acórdãos, que poderão ter sido forjados, com a consequente denegação de justiça. É neste inconcebível caso que Luís Filipe Vieira está envolvido, neste momento como arguido, e muito em breve como acusado.
Ora, como é possível que António Costa aceite fazer parte da comissão de honra de um homem que daqui a dias vai ser acusado pela justiça de comprar um juiz? Será que não lê jornais? Aos poucos, Costa tem vindo a ultrapassar linhas vermelhas impensáveis há apenas cinco anos, quando a sombra de Sócrates pairava sobre o PS. Esta é mais uma dessas linhas – e das grossas. É certo que Costa está acompanhado de Fernando Medina, que fez em Lisboa a mesma triste figura que Rui Moreira já tinha feito no Porto, ao integrar as listas de Pinto da Costa. E também dos deputados Duarte Pacheco (PSD) e Telmo Correia (CDS). Todos ajudam a descredibilizar a actividade política. Só que um primeiro-ministro é um primeiro-ministro.
A Operação Lex deverá produzir a primeira acusação formal da justiça contra Luís Filipe Vieira. Mas nos últimos anos o nome do presidente do Benfica esteve envolvido em inúmeros escândalos: o caso e-toupeira, o caso Mala Ciao, uma alegada burla ao BPN, o buraco de 600 milhões da Promovalor no BES, a estranhíssima reestruturação da dívida da Promovalor já com o Novo Banco, as recentes suspeitas da Doyen, a OPA ilegal sobre as acções da SAD do Benfica, o papel do “rei dos frangos” no meio de tudo isto. A lista poderia continuar.
Luís Filipe Vieira chegou a 2020 no estado em que José Sócrates se encontrava em 2010. São demasiados casos, demasiadas suspeitas comprometedoras, demasiados indícios sólidos e nenhumas boas explicações. Só um idiota – e deixem-me sublinhar a palavra “idiota” – pode achar neste momento que Vieira é um homem impoluto, que está a ser vítima, para usar as suas palavras, de “uma campanha ofensiva e caluniosa”. E se por acaso pensam que estou a chamar idiotas a António Costa, Fernando Medina, Duarte Pacheco ou Telmo Correia, posso garantir que estão enganados. De idiotas eles não têm absolutamente nada. João Miguel Tavares, Público