O plágio de João Botelho
Eremita
Para que fique claro: o meu fascínio por casos de plágio não é apenas revelador do desejo de assistir à miséria moral dos outros, pois denuncia sobretudo o meu medo de um dia ser apanhado a plagiar. É uma espécie de síndrome do impostor, mas vivida por antecipação - creio que ainda não figura no Diagnostic and Satistical Manual of Mental Disorders.
“Sou o autor do filme “A Peregrinação” e durante meses, nesta ‘arte de vampiro’ que é afinal o cinema, li, consultei, adaptei e reescrevi cenas para a minha curta adaptação da vida e do livro de viagens de Fernão Mendes Pinto. Na verdade, o seu romance, o Corsário dos Sete Mares, foi forte inspiração para alguma s cenas do filme, as da China... (...) É evidente que devia ter insistido três, quatro vezes [no contacto]. Mas meteu-se a produção – trabalhosa, longa e difícil. Tive o cuidado de colocar em primeiro lugar nos agradecimentos, no genérico final do filme, o seu nome. É pouco, eu sei. Eu e o produtor aceitamos a sugestão da sua editora para colocar uma cinta com os dizeres: ‘Inclui episódios adaptados do romance O Corsário dos Sete Mares’. Perdoe-me.” João Botelho, citado no Hoje Macau
Como me dizem várias pessoas que trabalham ou trabalharam no teatro e no cinema, estes abusos são frequentes. Não me refiro apenas a casos de plágio e falta de respeito pelos direitos de autor, mas a todo o tipo de apropriações, nomeadamente do tempo e esforço de outros, cujo trabalho tentam fazer passar por colaboração voluntária ou pagam mal e a más horas, se é que pagam. Pelo que me contam, não são apenas caloteiros medíocres, mas também de grandes nomes do meio, figuras carismáticas, admiradas pela sua grande capacidade de produção.