O panegírico do ano
Eremita
Para potenciar o impacto da citação que vos proponho, a sua leitura deve ser acompanhada pela escuta de um dos seguintes temas e sem qualquer poluição sonora envolvente (desligue a televisão, feche-se num quarto ou até na casa de banho, que beneficia a acústica):
The Gael, do escocês Dougie MacLean, celebrizada como banda sonora do filme The Last of the Mohicans.
Uma charopada sonora em estilo "épico hollywoodiano".
A Moldau, de Smetana. Caso seja esta a sua escolha, recomendo que inicie a leitura precisamente 40 segundos depois do começo da música.
Percussionistas japoneses (tambor taiko).
E Vangelis, claro, um músico muito apreciado pelos socialistas, aqui representado pelo incontornável tema de Chariots of Fire.
Comece a leitura apenas após ter ouvido o início da música que escolheu. Se pretender ler o texto uma segunda vez, seja ousado e mude a música.
E Costa, no meio disto? Sou insuspeito, pois não lhe aprecio o estilo e certas decisões, certas companhias. Mas é cristalina a sua alta qualidade de estadista e de servidor público. Ao se oferecer para o cargo de primeiro-ministro, para lá da motivação subjectiva que poderá nunca vir a ser conhecida publicamente ou só daqui a muito tempo, o que mais impressiona é a radical diferença entre a complexidade e esforço da sua função e a displicência e irresponsabilidade dos directores de imprensa, jornalistas-comentadores e demais publicistas com poleiro em órgãos profissionais e ditos de “referência”. São pessoas que, muito provavelmente, nunca aceitariam passar por experiência similar, ou que lá chegadas não aguentariam nem a milionésima parte do que o currículo de Costa prova que aguenta. Todavia, cagam sentenças a metro e ao peso, saturando a mancha da opinião publicada na imprensa escrita e audiovisual. Aliás, são os mesmos aqui e ali, ubíquos e repetitivos. A sua produção verbal é uma logomaquia narcísica – inevitáveis e salubres excepções à parte. Sem saberem, sem olharem para o chão que os suporta, na sombra dessa montanha diária de sectarismos e inanidades refulge imperceptível a heróica vocação daqueles que aceitam sujar as mãos e a esperança nas muralhas da cidade. Valupi
Quanto à "motivação subjectiva que poderá nunca vir a ser conhecida publicamente ou só daqui a muito tempo" que fez como que Costa se tivesse "oferecido" para o cargo de primeiro-ministro, eu diria que foi a ambição; não associo nenhuma carga pejorativa à ambição, antes pelo contrário, mas surpreende-me que alguém pretenda transformar uma evidência em mistério insondável. O resto do parágrafo é ainda mais surpreendente. Prova que a grande obsessão de Valupi, afinal, não é Sócrates e talvez seja mesmo a defesa do Estado de Direito, mas aceitemos provisoriamente que é o PS. Mostra também que Valupi, o analista político implacável, sabe escrever prosa poética (notável o crescendo da última frase). E demonstra que podemos apresentar lapalissadas com tanta competência que soam a coisa original e até válida. É da ordem das coisas que um Primeiro Ministro tenha trabalhos hercúleos, sobretudo quando o comparamos com a pacata existência e o pequeno alcance dos seus críticos na imprensa, mas é absurdo usar o desígnio de um PM para diminuir os seus críticos e a pequenez destes para o engrandecer. O trabalho de um crítico, como o de um ministro, avalia-se por comparação com o trabalho dos seus pares, como é evidente. O exercício a que Valupi se presta só não assusta por aparecer num blog, pois tem tudo para ficar a matar num editorial do jornal oficioso do governo de um país de democracia musculada, como Angola ou a Rússia. Bom ano, Valupi!