Steve Jobs e o "espírito de tolerância"
Eremita
Um dos objetivos da ciência, e do conhecimento em geral, é ajudar-nos a evitar a dor. A contorná-la, a mitigá-la. É por isso que usamos anestesia e analgésicos, químicos que ajudam a regular as reações do nosso corpo, terapias que transformam a nossa vida numa coisa melhor. Num pequeno livrinho lançado ontem, Terapias, Energias e Algumas Fantasias(Fundação Francisco Manuel dos Santos), João Villalobos leva-nos de passeio pelos corredores das chamadas “terapias alternativas”, do Reiki à leitura da aura e ao estudo das “vidas passadas”, dos “tratamentos holísticos” à visitação dos anjos e à hipnose e ao reconhecimento das “energias”. À tentação de muitos leitores – considerar que essas terapias “não servem” porque não curam constipações –, prefiro a generosidade e o espírito de tolerância de Villalobos: tudo serve se o objetivo for o de contornar ou diminuir a dor de viver. A nossa vida é demasiado curta para recusarmos conhecer essas experiências. Sim, podemos até concordar que algumas são fantasias. Mas nenhuma fantasia é dispensável se nos ajudar a encontrar alguma luz. Francisco José Viegas
Há alguns equívocos neste texto. Se alguém acredita na astrologia, deve ter toda a liberdade de o fazer, mas eu prefiro que o Estado promova a astronomia e ignore a astrologia. Porquê? Porque a astronomia é uma ciência com provas dadas no aumento do conhecimento e promove o sentido crítico, enquanto a astrologia é uma prática sem validação empírica, que desincentiva o raciocínio e tende a ser promovida por charlatães. Também o argumento de que "tudo serve se o objectivo for o de contornar ou diminuir a dor de viver" nos levaria muito longe ou pelo menos até ao prédio devoluto mais próximo habitado por heroinómanos. Quanto ao valor da visitação dos anjos enquanto "experiência" cuja vida é demasiado curta para recusarmos, o snorkeling num recife de coral ou um roteiro gastronómico na Toscânia Toscana parecem-me experiências turísticas mais compensadoras. E o remate da indispensabilidade da fantasia que nos ajuda a encontrar alguma luz é pura irresponsabilidade, sobretudo depois de casos tão mediáticos como o de Steve Jobs, que por ter andado a perder tempo com medicinas alternativas fantasiosas talvez tenha tido uma morte prematura. É surpreendente ver Francisco José Viegas a escrever tamanhos disparates. Qual a explicação? Um capricho de contrarian estimulado pelas críticas recentes às medicinas alternativas? Um favor ao amigo João Vilalobos? São explicações insuficientes e só me resta admitir que Viegas quer agradar a uma namorada nova adepta do reiki.