Neto de Moura e os limites da compaixão
Eremita
Eu sinto-me humilhada, vexada pelo senhor e a sua repugnante ideia de “sociedade”, mulheres e adultério. Acho que o senhor não me respeita e ofende todas as mulheres deste país. O adultério não é crime, a não ser na sua cabeça que me abstenho de qualificar ainda mais. A questão é que o senhor é juiz e põe em causa a segurança das pessoas, desde que sejam mulheres. Isso ofende-me. A ideia de lhe dar um soco na cara até me pode passar, assim de repente, pela cabeça, mas não o farei. No meu quadro moral e seguindo os preceitos da lei e Constituição, acho que a violência física não é de todo desculpável – nem contra um juiz que a desculpa. Ana Sá Lopes, Público
Tenho um lado contrarian, provavelmente mais um sinal de vaidade do que de nobreza de carácter, que me leva a estar do lado daqueles que todos atacam. Não serei original, sendo de grau as diferenças entre as pessoas quanto a este impulso. A partir de que volume de humilhação pública abdicamos da crítica que, se não fosse feita por tantos, também seria a nossa, e passamos para o lado de quem é criticado? É um limite muito difícil de estimar, mas, no meu caso, talvez esta revelação ajude: sinto hoje por Sócrates alguma compaixão. Naturalmente, este limite resulta de algum algoritmo moral que põe em equação a intensidade da humilhação pública e a gravidade da falha de quem é criticado, inevitavelmente ponderadas pela nossa experiência pessoal e os nossos interesses. Daí a importância de Neto de Moura. Não me recordo de ver alguém ser tão criticado pelo exercício das suas funções. A humilhação pública deste juiz tem sido absolutamente avassaladora. Mas ainda assim, não sinto compaixão pelo homem. Se não me juntei ao coro de críticos de Neto de Moura foi por ele me ter feito peceber que, em certas alturas, é melhor ser um mero amplificador de vozes com autoridade moral ou importância superiores. Pela primeira vez, cedo a palavra para que a palavra de outros, como a da Ana, ecoe melhor e doa ainda mais.