Isto é uma confissão
Eremita
Num livro, melhor do que encontrar uma volta-face ou uma figura de estilo originalíssima, só mesmo uma gralha. Na página 64 de Os Cus de Judas (21ª edição, de 2001, Biblioteca de Bolso, Publicações Dom Quixote), lê-se:
"She said it's really hot my habit
To intrude
Furthermore, I hope my meaning
Won't be lost or misconstrued"
Obviamente, o verso correcto desta canção de Paul Simon é "She said it's really not my habit". Não deve haver mesquinhez menos corrigível do que esta satisfação. Em minha defesa, só posso adiantar que a soma destas pequenas alegrias deve equivaler em intensidade ao sofrimento acumulado que me dão as minhas próprias gralhas, sendo o saldo nulo. Enfim, não será atenuante. Cheguei a pensar que este gozo com as gralhas resultaria da descoberta de uma irregularidade, ou seja, que seria uma alegria virtuosa como a da descoberta científica, com o prazer acrescido de a uma gralha se poder sempre associar uma história - Saramago explorou esta ideia num dos seus livros; como surgiu o erro? O revisor só gostava de Garkunfel? Uma pedrinha a embater no vidro da janela fez com que tivesse saltado uma linha? A sua libido manifestou-se em lapso freudiano? Mas não há virtude alguma; não me tenho a mim, nem à espécie, em tão boa conta. Em vez de criar de imediato uma ponte de empatia com o revisor do texto que estou a ler, a descoberta de uma gralha num livro já publicado dá-me sobretudo uma sensação de superioridade infantil.