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Eremita
“Temos de aspirar a tornarmo-nos canhotos e não a reconhecer que o somos.”
Esta frase foi escrita por Julião a esferográfica numa tira de papel quadriculado que ele colou com fita-cola na parede lisa, para que estivesse à sua frente quando sentado à secretária. A sua mãe deu com a frase numa lide doméstica e sorriu. Contou então ao pai, que não achou nenhuma graça, mas nada fez. Durante o resto do percurso universitário de Julião, nenhum dos progenitores se deu conta de que a frase é uma paráfrase de uma conhecida citação de Foucault. Antes assim. Para aquele pai, muito pior do que ter um filho comunista seria ter um filho homossexual. Mas Julião não era homossexual e o seu comunismo foi efémero impulso infanto-juvenil.