Heróstrato vive
Eremita
Há uns dias, o Público mostrava uma animação do recente ataque terrorista em Barcelona, possivelmente feita por um jovem supervisionado por alguém mais velho que lhe terá sugerido para eliminar os jactos e manchas de sangue. O resultado final é uma quimera estranha, fusão absurda do desejo inato de contar e chocar com o impulso censório pífio de um jornalismo desnorteado, que não resultou na supressão da propaganda do terrorismo mas num branqueamento da violência, como se o acto terrorista se tivesse convertido num vídeojogo. Como relatar os actos infames não é um problema recente. Em 1911 - repito, 1911 - já um criminologista sugeria que não se devia colocar os nomes dos criminosos nas notícias (Podcast de Sam Harris com Gavin de Becker, 2:18:00). É de 354 A.C. a história do incendiário Heróstrato, que ateou fogo ao templo de Artémis em Éfeso com o propósito único de ser recordado para sempre (um feito conseguido), mas as televisões continuam a filmar o fogo e a fazer directos intermináveis de conteúdo informativo nulo, os jornais publicam fotografias belíssimas de incêndios nocturnos que as pessoas "partilham", os media entrevistam vizinhos dos terroristas e mostram as caras e os nomes destes pobres imbecis, numa conivência de classe de quem não ignora o que está a fazer mas parece ter capitulado e se limita a alimentar a sede informativa do público como um dealer estimula o vício da clientela. A grande arma de recrutamento do ISIS não é a internet, como tantas vezes se lê por aí, mas o jornalismo, o que não é propriamente uma descoberta. O mais extraordinário é que nada muda. The show must go on.