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OURIQ

Um diário trasladado

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18
Fev18

"Gente que Trabalha"*


Eremita

Aprecio vários tipos de bloggers, mas só admiro verdadeiramente aqueles que trabalham. Trabalhar é uma condição necessária, ainda que insuficiente. Ora, quase todos os bloggers optam por não trabalhar e escrevem o que lhes sai à primeira, sem amadurecimento nem consulta, num exercício diletante e narcisista. É um direito, mas feitas as contas, quem lê está a perder tempo, pois é sabido que os repentistas de génio migraram para o Twitter. A regra é muito simples e já foi enunciada de inúmeras maneiras: o tempo que quem lê o texto investe na leitura não deve ultrapassar uma ínfima parte do tempo que o autor gastou a escrevê-lo. Ninguém estimou esta relação numérica com rigor - um décimo do tempo de escrita? Um centésimo? - mas sabemos que é da ordem das magnitudes. Daí que a minha grande descoberta de 2016 tivesse sido o blog Homem à Janela, de Alberto Velho Nogueira, onde podemos ler a crítica literária mais radical e original a autores portugueses consagrados, num registo alheio ao elogio fácil e à maledicência caprichosa. Pois bem, após um ano de 2017 sem descobertas macantes,  ainda vamos em Fevereiro, mas anuncio já que o blog de 2018 é Homem-de-livro, de Luís Miguel Rosa (LMR). Em tempos apreciei muito um blog que se chamava Homem a Dias, de um saudoso Alberto Gonçalves (que hoje despacha alucinadas crónicas de consolação no Observador) e não posso excluir uma queda bizarra para blogs com a palavra "homem" no título, mas também por isso é oportuno lembrar que aprecio muito outro trabalhador incansável, o Henrique Manuel Bento Fialho, que escreve no Antologia do Esquecimento, e a malta do blog Ladrões de Bicicleta, que até mostra gráficos originais. Se conhecerem outros blogs (em português, inglês, francês ou castelhano) de gente trabalhadora, avisem, por favor.

 

O mais recente post de LMR é um verdadeiro achado. Quando, num país com apenas 10 milhões de habitantes e dominado pela monocultura do futebol, um cidadão, fora do circuito da academia, é capaz de elaborar uma crítica a um escritor estrangeiro relativamente obscuro como Paul West, há motivos para acreditarmos em nós enquanto povo. No meu caso, a satisfação vem acrescida por ter experimentado durante a leitura do post uma sensação crescente de déjà vu que resolveu em epifania transbordante: nunca antes lera Paul West, mas lembrei-me que, afinal, já conhecia a tragédia dos seus últimos anos (um AVC que o deixou afásico), contada pela sua mulher, Diane Ackerman, numa entrevista a Michael Silverblatt**. O post de LMR deixou-me a mesma impressão com que ficara aquando da audição da entrevista: Ackerman e West dificilmente virão a ser uns dos meus escritores. O ensaio Purple Prose, de West, a que cheguei guiado por LMR, não me fez mudar de ideias: quando West defende um estilo "elaborate without being ornate, ambulatory without being pedestrian", leio as ressalvas como um acto falhado e só me ocorre que se UpDike, a aceitar o veridicto de David Foster Wallace, era “just a penis with a thesaurus”, West parece ser just a thesaurus, o que não deixa de ser problemático e é muito mais aborrecido. Mas o caso não está arrumado. O entusiasmo de LMR fará com que dê a West o benefício da dúvida e inicie a leitura de um dos seus romances. 

 

* Verso de uma canção de Paulo de Carvalho.

** Só durante as leituras para escrever este post me dei conta de que o meu primeiro contacto com Paul West precede a entrevista: o escitor figura como personagem num dos capítulos do livro Elisabeth Costello, de J. M. Coetzee, que li sem inscever West na memória. 

4 comentários

  • Sem imagem de perfil

    Anónimo

    19.02.18

    Exactamente. Aparentemente, lendo o último post do seu blog toda a crítica é suspeita. Como tal passa-se bem sem a critica. Parece ser também a posição da ignorante do Jeito Manso adepta da cultura light e da mediocrização do mundo.
    O Alf devia pensar de forma histórica e realista. A literatura que ele gosta foi uma construção dos escritores e dos críticos, que, por vezes são os outros escritores no papel de críticos. Não é preciso dizer mais nada. Existem coisas em que ser original não é nada.
  • Sem imagem de perfil

    alf

    20.02.18

    Agora respondendo ao anónimo do «lendo o último post do seu blog». Creio que o caro anónimo não leu o último post do meu blog ou então não fui claro na exposição das minhas ideias, pois digo exactamente o contrário do que me imputa. Mais grave, o anónimo contradiz no mesmo comentário de poucas linhas as suas próprias ideias, o que apenas comprova como o assunto é difícil, e o que ainda confirma mais a justiça dos elogios a Luís Miguel Rosa, por tentar dizer alguma coisa nesta matéria. Repare o caro anónimo: «lendo o último post do seu blog toda a crítica é suspeita. Como tal passa-se bem sem a critica. Parece ser também a posição da ignorante do Jeito Manso adepta da cultura light e da mediocrização do mundo.» Portanto, a crítica será essencial para combatermos a cultura light e a mediocrização (sic) do mundo. Mas depois acrescenta o anónimo: «O Alf devia pensar de forma histórica e realista. A literatura que ele gosta foi uma construção dos escritores e dos críticos, que, por vezes são os outros escritores no papel de críticos.» Precisamente, é a minha posição. Mas se a crítica é uma construção de escritores no papel de críticos, está tão sujeita a efeitos de «históricos e realistas» de construção como qualquer outro fenómeno humano. Só tempo, apesar de tudo, vai limpando o campo, o que torna a crítica contemporânea muito ineficaz como barómetro de qualidade. E por isso, a crítica, no seu actual estado, apesar de necessária - não para combater a cultura light, mas para impedir que se faça da literatura um instrumento de falsa segregação intelectual e se utilize a crítica publicada e os prémios para construir reputação literária sem o mínimo de densidade crítica (vejam-se os patéticos comunicados sobre vencedores de prémios). Repito, a crítica literária assenta ainda sobre critérios muito obscuros e não nos serve, por estar demasiado ligada a mecanismos de mero gosto servidos como realizações objectivas e universais. A literatura é - até prova em contrário - uma afirmação subjectiva da experiência. Posso gostar mais da pseudo-popular mediocridade light e da sentimentalidade de hipermercado de uma Rebelo Pinto do que da profundidade médio-burguesa em torno das novelas sentimentais solarengo-durienses colocadas pela Agustina. Ou temos um sistema de critérios objectivos para discutir o valor em literatura - e acho que, até certo ponto, podemos ter - ou então teremos de esperar pela tal avaliação histórica e realista, altura em que, infelizmente, já estaremos todos mortos, e não chegamos a saber se a Agustina é apenas uma escritora inteligente com um razoável talento ou a grande figura intelectual do século XX - depois de Pessoa - que por vezes vejo reclamar. Suspeito que difícil obter uma resposta. E é também por isso que tenho dito: o escritor capaz de resistir mais corajosamente à tentação de se ver aclamado demasiado cedo (o que não significa não publicar nada, atenção) estará mais perto de tocar em valores universais, até onde podemos falar de valores literários universais. Por outro lado, escritores multi premiados - como foi o caso de Agustina - antes dos 45 anos, deixem-me dizer: só muito raramente deixam marca. Não se trata da apologia do escritor maldito. Na maior dos casos, esses escritores são apenas razoavelmente ignorados, por vezes até mantém carreiras literárias de moderado sucesso, mas sem grande aclamação. Já expliquei as razões e creio que esta é também uma ideia clara sublinhada pelo Luís Miguel Rosa. A terminar: é precisamente a leitura histórica e realista, caro anónimo, que me vez ter tanta confiança nesta visão.
  • Sem imagem de perfil

    alf

    20.02.18

    Além de pedir desculpa por uma frase não concluída ali acima - mas percebe-se a ideia - queria ainda referir outro aspecto relevante: é absolutamente necessário - e Luís Miguel Rosa também toca na matéria, mas sem desenvolver - criar o hábito de manter discussões críticas (como por exemplo sobre o valor da obra de Agustina) sem passarmos logo a uma discussão assente sobre a furiosa ofensa de os outros não gostarem do mesmo que nós, pois é precisamente esse o problema mais interessante e aquele que precisamos de discutir. Também não me canso de dizer que o problema não é o conflito entre literatura ligh e Agustina. Mas alguém quer discutir o valor da obra de Pedro Chagas Freitas por principio? Não é que não seja útil perceber a sua eficácia. Muito fariam os críticos se em vez de piadolas (como é habitual) procurassem também compreender o que vão os leitores buscar ali. Palpita-me que a ignorância literária não é a única explicação, embora tenha o seu papel, claro. O problema é sabermos se podemos (e se é útil) medirmos e analisarmos o valor de obras como Saramago, Agustina, Lobo Antunes, os lateralizados, Lídia Jorge, Mário de Carvalho, Mário Cláudio, Hélia Correia, os obscuros, Ana Teresa Pereira, Mafalda Ivo Cruz, e depois toda a legião dos aclamados: Gonçalo M Tavares, Peixoto, walter hugo mãe - elogiado por um homem tão erudito como Manguel - Bruno Vieira Amaral, Isabela Figueiredo, Ana Margarida Carvalho, todos os prémios Leya. Isto é uma autêntica legião. Palpita-me, pois, que a categoria ligth pode sofrer um escandaloso alargamento.
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