Filhas não são musas
Eremita
Sem plagiar cómicos como Bill Cosby ou (pub - para stand up hilariante) Louis C.K., será possível escrever sobre os filhos pequenos de um modo que não seja aborrecido? Duvido. Esta dúvida não é metódica, não é retórica (também as há, como as perguntas), não é sequer uma daquelas frequentes dúvidas empáticas vagamente autodepreciativas com que se pretende seduzir o leitor, nem a sua variante descarada que se lança por aí como isco para pescar elogios. Também não será genuína, mesmo ignorando todas as dúvidas falsamente genuínas que corromperam a expressão. É uma dúvida irresolúvel, de quem se conforma com a perplexidade.
Posso perguntar vinte vezes às minhas filhas que idade têm, que à vigésima primeira vez o dedinho singular delas no ar ainda me vai alegrar. Mas sei, acreditem que sei como esta rotina prolongada só me diverte a mim, com a possível excepção do avô paterno, um caso preocupante de embevecimento crónico e agudo. O que fazer? Consideremos os limites socialmente aceitáveis do espectro: Doris Lessing referia-se à maternidade como os "Himalayas of tedium"; pelo contrário, Catarina Furtado falava às revistas da sua maternidade com um encantamento a deixar no ar a ideia de que (roubo a expressão a um blogger retirado) não houve outra mãe antes dela. Quem tem razão? Infelizmente, não é a espirituosa Doris, é mesmo Catarina, a menos que estejamos dispostos a abandonar os filhos, como fez a britânica. Eis o paradoxo que faz do baby blog um género condenado, mas sem alternativa. Se somos bons pais, o relato sincero sairá sensaborão, mas ainda assim será mais válido do que desconsiderar os nossos próprios filhos pequenos e a relação que com eles estabelecemos em prosa ácida falsa ou ritualizada pelo humor, escrita para chocar e entreter a burguesia.