Factos deitados ao lixo
Eremita
Uma das características do discurso populista é a manipulação da evidência. A esquizofrenia instrumental de André Ventura, que não vê nenhum problema entre escrever uma coisa na tese de doutoramento, para agradar ao júri, e dizer o contrário nas televisões, para agradar aos eleitores, é apenas o caso mais mediático. Ainda mais extraordinários são os posts de Cristina Miranda, no Blasfémias. São sempre textos longos, aborrecidos e esforçados, isto é, que revelam trabalho de casa. Cristina Miranda apresenta factos e referências para sustentar as suas ideias. Infelizmente, as suas fontes tendem a ser péssimas. A propósito do caso trágico da mulher que colocou o filho recém-nascido no lixo, Cristina Miranda não perdeu a oportunidade de teorizar sobre o nosso declínio civilizacional às mãos dos marxistas culturais e estabeleceu uma relação causal entre a despenalização do aborto e o infanticídio. Já ouvimos maluquices parecidas vindas dos EUA, mas fico sem perceber se Cristina Miranda pratica uma pesquisa por palavras já viciada que lhe devolve apenas a informação pretendida ou se descarta toda informação que não lhe dá jeito. Em todo o caso, o infanticídio nas sociedades ocidentais diminuiu entre 1960 e 2009, precisamente o período em que a maior parte dos países despenalizou o aborto (sem pretender ver aqui uma relação causal). Evidentemente, a única reflexão de ordem prática que o caso do bebé deitado no lixo desperta é se não deveria ser possível entregar o recém-nascido a uma instituição de um modo expedito e com a censura social minimizada. Por uma vez, estou de acordo com o Henrique Raposo, que defendeu o regresso da roda dos expostos.