Deus, Ventura e a gramática
Eremita
Caro Plúvio,
Perante este notável exemplo de pornografia política, confesso que foi a gramática a chamar-me a atenção, o que diz tudo sobre a previsibilidade by the book do populista André Ventura. Como a minha gramática é de ouvido e não tenho autoridade, tomo a liberdade de te colocar algumas questões, para benefício de todos. Será que André Ventura andou a ler Napoleão Mendes de Almeida, nomeadamente a sua Gramática Metódica da Língua Portuguesa? E será que houve intencionalidade? Não penses que te podes escapar de um posicionamento ideológico, Plúvio: quanto ao género, será que o feminismo levará à extinção lenta mais implacável da concordância total, condenada a ser substituída pela concordância atractiva? E será que houve entre o staff do Chega uma acesa discussão entre aqueles que toleraram a concordância atractiva usada no post, visto não se tratar de uma enumeração de nomes próprios de homens e mulheres, e os ortodoxos populistas do partido, defensores de um uso sistemático da concordância total, das enumerarações de nomes próprios à de apetrechos e peças da indumentária das forças policiais, como sinal de intransigência e reforço do peso da concordância global? Isto porque, como escreveu a Doutora Edite Prada, na entrada supracitada sobre concordâncias e enumerações, o "total de 200 mulheres + 1 homem será igual a 201 mulheres no mesmo dia em que 200 gatos + 1 cão constituírem um total de 201 gatos". Enfim, termino com uma questão mais abrangente: na idade das redes sociais, será que a discricionariedade gramatical promove a paz social ou, pelo contrário, só uma gramática mais autoritária nos trará tranquilidade e será capaz de defender a língua dos ignorantes, dos desatentos e da esquerda progressista?
Um abraço,