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OURIQ

Um diário trasladado

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18
Out17

Demissão, por favor


Eremita

10 mortos and counting... A ministra está desacreditada, sem autoridade para implementar mudanças e provavelmente sem cabeça. A sua demissão não é um gesto "sacrificial", é a única medida a tomar depois da publicação do relatório da Comissão Técnica Independente que analisou o que se passou em Pedrógão Grande a 17 de Junho e da tragédia de ontem. A casmurrice de Costa ainda lhe pode sair cara. 

Adenda I: 27 mortos e 51 feridos. Meses depois de Pedrógão Grande, o que está a acontecer é uma vergonha. 

Adenda II: 31 mortos. "As comunidades têm de se tornar mais resilientes", diz a nossa ministra. Isto significa exactamente o quê? Que devem superar rapidamente a perda dos seus entes queridos?  "Para mim seria mais fácil, pessoalmente, ir-me embora e ter as férias que não tive, mas agora não é altura de demissões", diz a nossa Ministra. Por favor, desapareça. 

Adenda III: 35 mortos. Se a estes somarmos os de Pedrógão Grande, são 100 mortos. 

Adenda IV: 36 mortos, 63 feridos e 7 desaparecidos. O Primeiro-ministro defende que "não é tempo de demissões", mas sim de "soluções". Eis um bom exemplo de uma falsa dicotomia. 

Adenda V (a 17.10.17): 37 mortos, 71 feridos e uma pessoa desaparecida. Vozes que não escrevem no Observador e pedem a demissão da Ministra: Nicolau Santos, Francisco AssisPedro Tadeu, João Pedro Henriques ... Só podem ser misóginos, está visto. Naturalmente, o embaixador Seixas da Costa contemporiza. Entretanto juntei a famosa bandeira invertida, que na simbologia militar é um pedido de socorro.

Adenda VI (a 17.10.17): 41 mortos. Marcelo fala às 20:30. 

Adenda VII (a 17.10.17): Marcelo Rebelo de Sousa não podia ter sido mais claro na sua comunicação. A Ministra tem de sair.

Adenda VIII (a 17.10.17):

Quem escreveu o discurso de Marcelo? O historiador António Araújo? Pedro Mexia? O próprio Marcelo? Aaron Sorkin? Nunca saberemos. Mas sabemos que Valupi, como outros zeladores do PS, sentiu necessidade de nos dar um banho de cinismo e pequena política e que Pedro Santos Guerreiro amuou, por se ver reduzido à sua condição de mero mestre do trocadilho. São sinais reveladores da excepcionalidade deste discurso. A figura de estilo mais difícil de manejar é a anáfora, mas Marcelo usou-a sem cair no ridículo, num crescendo controlado e teatralidade q.b. "Pode e deve" soou sempre justo. Ainda mais notável, mais notável até do que ter assumido um peso na consciência, foi Marcelo ter dito a palavra "colmeias". Creio que nenhum presidente disse "colmeias" numa comunicação ao País e nenhum outro se atreverá.

Nunca um Presidente encarnou tão bem as funções de representação. Foi uma encenação? Foi uma interpretação? Claro que foi. Mas faz parte do que se espera de um líder nestas alturas. Ninguém acredita que Marcelo ande a acordar de noite por causa de um pesadelo recorrente em que é perseguido por fantasmas de Pedrógão Grande, mas só por ingenuidade se fará uma interpretação literal do peso na consciência que o Presidente assumiu. Ontem o Estado foi Marcelo, devido a duas tragédias vergonhosas e à inépcia de António Costa. Estas circunstâncias dificilmente se repetirão e este será o discurso da(s) presidência(s) de Marcelo - os historiadores podem começar o seu trabalho. O discurso de Marcelo atenua uma das maiores vergonhas da nossa democracia, que é a ausência de uma frase ou passagem em discursos oficiais que resista à triagem do tempo. As nossas consciências estão ainda dominadas por aquele inconfundível frémito de Santa Coba Dão que deu voz a frases insuportavelmente memoráveis, como o insidioso  "Não discutimos a Pátria e a sua História...". Marcelo provou que um bom discurso em Portugal e em português é compatível com a democracia, que não estamos condenados a uma formalidade estéril e aborrecida, nem a buscar arrebatamento às escondidas nos discursos das peças de Shakespeare que estão no Youtube. Tentou-se de tudo para resolver este problema, inclusive o outsourcing de eloquência e autoridade que acontece a 10 de Junho, quando são figuras de relevo da sociedade civil que ficam incumbidas de falar à nação. Mas Sobrinho Simões, Alçada Baptista e outros nada conseguiram. Sendo Portugal uma nação sem relevância histórica, são raríssimos os momentos em que um discurso pode "ecoar na eternidade". É um pouco paradoxal que seja Marcelo, ainda há poucos anos reconhecido sobretudo pelo seu maquiavelismo, a quebrar esta péssima tradição dos discursos sem chama. Seria até um pouco divertido, se este fosse um tempo para graças. 

 

Adenda IX (a 17.10.17) Constança Urbano de Sousa demitiu-se. Soube-se agora que a ministra pediu a demissão logo após a tragédia de Pedrógão Grande e que apenas permaneceu no cargo a pedido de António Costa. Este dado atenua substancialmente a má imagem da ministra e eu reconheço não ter pensado neste cenário, provavelmente por ter cedido à tentação de me julgar moralmente superior a todos os responsáveis políticos por estes tristes eventos. Enfim, está reposta a normalidade no Ouriquense e retomamos de imediato a nossa missão. Pelo Baixo-Alentejo, o montado, o porco preto e a guitarra clássica. 

 

Adenda X (a 20-10-17): Se me permite, não se trata de uma "espécie miúda de vingança tresloucada", mas de estabelecer prioridades. A reputação das instituições é mais importante do que a reputação de quem por elas passa. A demissão era necessária para regenerar a confiança e a autoridade, mas não é suficiente. De resto, não me deu especial gozo assistir à demissão da ministra, foi sobretudo um alívio, ainda que um "alívio alheio".  

 

 

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