Crusoe interrompido (8)
Eremita
Entre os 7 e os 14 anos tinha dois sonhos acordados recorrentes. Ambos resultavam de apropriações pouco processadas de uma série de televisão ((pub)Uma casa na pradaria) e de um livro (Robinson Crusoe). Comecei por ser como o Michael Landon: cuidava da minha propriedade, cortava lenha, construía a minha casa, dominava a técnica da cunha e os encaixes saíam-me perfeitos. Mudei-me depois para ambientes mais tropicais, continuando a fazer essencialmente o mesmo, só que com ferramentas de carpintaria improvisadas e ciente da urgência de erguer uma paliçada. O fascínio com a construção de um abrigo, a manifestação mais óbvia de um universo auto-suficiente em que a família (no caso de Landon) e o Sexta-feira (no de Crusoe) funcionam como adereços que viabilizam de forma sã o desejo de isolamento, é algo a que Barthes chamou o "principle de l'enfermement" e eu traduzo com o princípio do casulo. Tal princípio será certamente bem servido por uma explicação catita da psicologia evolutiva que nos obriga a remontar a uma época ancestral em que nos estaríamos a separar da linhagem que deu origem aos insectos. Mas este instinto para a misantropia, por mais enraizado que estivesse na condição animal, seria abruptamente descontinuado em 1985, no dia em que marquei aquele que seria o meu único golo de livre directo e, soterrado pelos meus companheiros, cheirando relva e suores, senti no corpo o peso da camaragem .