Contra a charlatanice
Eremita
Foi publicada no dia 9 de Fevereiro no Diário da República uma portaria (45/2018) que regula os requisitos das licenciaturas em medicina tradicional chinesa. É mais uma peça de uma avalanche legislativa que começou em 2003 e que ganhou particular dinamismo a partir de 2013, no governo de Passos Coelho. O que esta legislação faz é colmatar a falta de provas científicas de eficácia e segurança de várias terapias alternativas, da homeopatia à medicina tradicional chinesa, substituindo-a por portarias e decretos-leis. Permite aos terapeutas alternativos pendurarem nas paredes dos seus consultórios cédulas profissionais passadas pela Administração Central de Saúde, o que induz o público no erro de pensar que estas têm fundamentação científica. Mas estão longe de a ter. Tem inteira razão a Ordem dos Médicos, que publicou um vigoroso protesto. David Marçal e Carlos Fiolhais
Quando for inegável que alguém morreu por ter andado a perder tempo precioso em terapias absurdas, será oportuno lembrarmos a longa lista de deputados que, por pressão de lobbies, um deslocado impulso de inclusão social, medo de acusações de xenofobia ou iliteracia científica, andam há vários anos a promover as chamadas terapias alternativas. Não tenho dúvidas de que esse dia chegará, mas duvido que mesmo assim algo mude, tendo em conta o amplo apoio de que estas terapias gozam no hemiciclo, a apatia com que a sociedade reage a notícias que dão conta da sua expansão entre nós (na imprensa, só Marçal e Fiolhais fazem barulho), a incompetência da Ordem dos Médicos, que protesta mal, mais parecendo interessada na defesa de uma corporação do que na defesa da cultura científica e da saúde dos cidadãos, e ainda a popularidade de outras charlatanices que a televisão mostra, como a astrologia, a cartomancia e a numerologia. Não é complicado: um país que diz promover a ciência e a educação não pode legitimar a homeopatia e a acupunctura. E para prevenir acusações de cientismo ou de conluios entre este eremita indigente e a grande indústria farmacêutica, friso, sobretudo nestes tempos tão avessos à nuance, que não me custa elogiar contributos das medicinas tradicionais, desde que validados com o mesmo rigor científico que usamos na medicina convencional.