Coisificar corpos olímpicos
Eremita
Em prosa bem nutrida e militante, a propósito de tweets, gasta-se uma crónica no Guardian para escrever contra a objectificação (sexual) do corpo das atletas olímpicas. É desconsolador testemunhar a defesa de uma boa causa feita sem sentido de oportunidade. Ao contrário de muitas outras áreas, o desporto é implacavelmente meritocrático. Curvas e um palmo de cara podem ganhar contratos publicitários e fazer manchetes, mas não dão medalhas. Acresce que, nos últimos anos, a haver uma tendência, é para a objectificação do corpo dos atletas masculinos. As razões são várias. Por exemplo, objectificar o corpo masculino não é censurável e, para alguns, em nome de uma (caricatural) defesa da igualdade de género, será uma justificação para não se deixar de objectificar o corpo das mulheres. Porém, a razão determinante parece-me ser esta: se, para a generalidade dos desportos, os corpos atléticos masculinos correspondem ao ideal vigente do corpo sensual, o mesmo raramente se aplica ao corpo atlético feminino. O desporto de alta competição não forja mulheres voluptuosas. Os ombros largos das nadadoras proíbem-lhes a graciosidade, os músculos das corredoras velocistas causam admiração sem líbido, os corpos das ginastas, de proporções quase infantis, recomendam pensamentos castos, e a altura da jogadora de volleyball faz com que a sua elegância óbvia seja sobretudo apreciada quando salta e remata, um movimento puramente atlético, sem vestígios de erotismo. Naturalmente, existem adolescentes, existem idiotas e existem as redes sociais, mas a evidência parece-me esmagadora: não havia, nem há, uma onda de comentários objectificadores das atletas, o que há é uma susceptibilização crescente e contraproducente, pois corpos belos, desnudados no espaço público, serão sempre erotizados. De resto, no caso das Olimpíadas, a objectificação de pendor sexual dos corpos femininos nem sequer é a mais marcante, interessante, complexa e polémica. Afinal, haverá outra atleta feminina a ter sido mais coisificada nas últimas décadas do que Jarmila Kratochvílová e Caster Semenya, cujos corpos, masculinizados devido aos altos níveis artificiais ou naturais de androgénios, são as antíteses literais da pin-up?