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OURIQ

Um diário trasladado

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11
Out18

A única virtude de Bolsonaro


Eremita

Até lá, Bolsonaro (tal como Trump e os outros fascistas de turno, cada um que aparece sempre considerado como pior que o anterior) é apenas um político como os outros, que defende coisas certas e erradas, sendo a classificação de certas ou erradas em cada uma dessas políticas uma coisa muito subjectiva... (...) 

O que um político diz, interessa muito pouco, o que interessa mesmo é só o que faz. Henrique Pereira dos Santos, Corta-fitas

 

Bolsonaro não é Hitler, não é Mussolini, não é sequer Franco. Em bom rigor, se quisermos ater-nos a um debate intelectual de natureza escolástica, ele não é bem a representação do fascismo. Há nele, contudo, na dimensão medíocre que a sua pobre personalidade proporciona, tudo aquilo de que a tradição fascista historicamente se alimentou. O anti-iluminismo, a exaltação sumária da unicidade nacional, a apologia da violência, o culto irracional do chefe. Bolsonaro é pouco mais do que um analfabeto ideológico com todos os perigos que isso mesmo encerra. Ele e a sua prole de jovens tontos significam hoje o maior perigo com que se depara o mundo ocidental. Francisco Assis, Público

 

Uso e abuso de uma citação de Vergílio Ferreira que muito me marcou quando li o livro Pensar: "envelhecer é a desautorização progressiva daquilo que nos entusiasmou"*. Já concordei mais com o nosso existencialista. Creio hoje que o entusiasmo é menos perecível e mais recuperável do que a capacidade de indignação. Lutar contra a indiferença que se vai apoderando de nós é muito mais urgente e mais difícil do que ir inventando experiências que nos entusiasmem. O entusiasmo recupera-se marcando um salto de pára-quedas que garanta uma embriaguez de adrenalina. E a capacidade de indignação, como se recupera? Não há programa nem receita, pois estamos dependentes das circunstâncias. Eis então o único mérito de Bolsonaro: ter criado uma circunstância perfeita para percebermos não só quem é de esquerda e de direita, mas sobretudo quem ainda se indigna com o discurso deste homem, inadmissível numa sociedade decente, e quem tem um ódio tal à ideologia de esquerda que está disposto a tolerar tudo. Não vou perder tempo com o que alguns malucos, idiotas ou propagandistas profissionais escrevem nos blogs de direita portugueses. Mas o post com que Henrique Pereira dos Santos, um homem inteligente, culto e com cultura cívica, branqueia o discurso de Bolsonaro e lhe dá o benefício da dúvida conseguiu indignar-me. Defender a ideia de que aquilo que um político diz não interessa é passar uma verdadeira certidão de óbito à política. Se suspendermos o juízo até o político estar no exercício do poder, acabam as campanhas eleitorais, acabam os debates, acabam as propostas, acaba o compromisso, acaba tudo. Independentemente do resultado da segunda volta das eleições presidenciais no Brasil, o próprio Henrique Pereira dos Santos terá muita dificuldade em continuar a intervir na sociedade mantendo-se fiel à sua ideia estapafúrdia, urdida apenas à medida da mediocridade e alarvidade de Bolsonaro. Mas é refrescante poder discordar tanto de alguém. Obrigado, Bolsonaro. Obrigado por teres conseguido dois feitos da ordem do milagre. É que não imagino mais ninguém capaz de me rejuvenescer 20 anos e levar Francisco Assis a escrever prosa realmente de esquerda. 

 

* A citação não será exactamente assim, porque entretanto perdi o livro e não tive oportunidade de a confirmar.

 

 

2 comentários

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    ZMB

    11.10.18

    Mas se é uma questão de nomenclatura eu admito que exagerei, chame-lhe de proto-fascista, chame-lhe de político neo-liberal ao nível económico.
    Ele mandou o Paulo Teixeira Pinto (ex-banqueiro, pintor e livreiro) elaborar uma proposta de reforma da constituição que acabou por ficar na gaveta por ser de ultra-direita. e outros ideólogos que o rodearam.
    veja-se as tentativas de condicionamento e as palavras que ele dirigiu contra o TConstitucional quando este lhe chumbou os orçamentos.
    Só não foi além da troika porque as manifestações não o deixaram.

    A questão do livro de Salazar para mim é simples, é a minha opinião: um homem que se faz fotografar em público com um livro de Salazar é um político que é indiferente aos estragos que isso traz à sua imagem pública de governante, quer mostrar ao que vem, aquilo que o inspira, ou pelo menos lê Salazar com simpatia, gosta dele.
    Eu tenho dois livros do Céline que comprei num alfarrabista quando já sabia que ele era apoiante de Hitler (pelo menos anti-judaico e adepto do holocausto), e ainda não os li porque tenho medo de os ler e de começar a pensar como ele. Há-de haver um dia que os leie mas não vou querer ser fotografado e comentado sobre andar a passear de carro com eles.

    Há uma camada da população que sentiu esse 'fascismo': os pobres e os desvalidos. No dificultar, no restringir e retirar apoios sociais, no discriminar habitantes de cor e etnia, no recusar vistos de imigrantes pobres mas conceder vistos gold a indivíduos que querem lavar dinheiro, no limpar as ruas dos sem-abrigo e metê-los na prisão por falta de documentos ou interná-los em hospitais retirando-lhe os direitos de cidadania. muitas coisas se passaram nestes anos.
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