A social-democracia, a democracia cristã e a democracia socialista entram num bar...
Vasco M. Barreto
Mas a Europa, no final da Segunda Grande Guerra, recompôs-se, como também sabemos. Os vários Estados europeus abraçaram a social-democracia, um ideário concertado nos finais dos anos quarenta entre de De Gasperi, primeiro-ministro italiano, e Adenauer, o chanceler alemão. Curiosamente, ou não, ambos eram democratas-cristãos. Esta raiz ou génese cristã do Estado Social não deve ser subestimada. De facto, ela confronta-nos, hoje em dia, com um enorme paradoxo. A Democracia Cristã, ao contrário do que se poderia esperar, foi a grande pioneira da protecção social dos mais pobres: não alijou a carga da caridade para cima das costas dos cidadãos, pelo contrário, erigiu-a – transformando-a – como obrigação política dos Estados. Este desafio, esta obrigação, este imperativo partiram da Direita.
Por meandros longos de explicar, esse programa da Democracia Cristã foi apropriado pela Esquerda socialista. Compreende-se: a União Soviética, apesar do contributo decisivo que dera para a vitória sobre o Nazismo, levantou, sobretudo depois do XX Congresso do PCUS em 1956, dúvidas e desconfianças irrespondíveis sobre a bondade do comunismo e sobre a viabilidade da Revolução social e política. A Esquerda socialista virou Esquerda social-democrata: uma ideologia de compromisso entre o capitalismo e o socialismo, tendo este sido relegado para um futuro incerto. A social-democracia, em contraste com o liberalismo oitocentista, era firmemente estatista, exigindo ao Estado assistência aos mais depauperados, a criação de uma pesada gama de serviços sociais, uma economia de mercado regulamentada, uma farta redistribuição da riqueza e, no termo de um mais ou menos longo processo gradual, a realização da igualdade total: a revolução, sem Revolução. A costela democrata-cristã condescendeu com este destino socialista projectado no longo prazo… e utópico. Mas, creio, subestimou o valor simbólico da promessa de uma sociedade sem classes.
A Social-Democracia viveu disto durante décadas. A tal ponto que acabou por se confundir com um regime em que o Estado democrático só era democrático se olhasse pelo povo como um pai olha pela sua família: férias pagas e subsídios de toda a ordem e feitio. A liberdade tornou-se (ou continuou?) secundária, até mesmo dispensável. Um Estado democrático era aquele que distribuísse mais dinheiro e prodigalizasse mais “serviços” e mais “direitos”. Muitos anos passados sobre a colaboração entre De Gasperi e Adenauer, este programa, originariamente um programa democrata-cristão, foi apropriado por uma nova esquerda anti-revolucionária, anti-violência e gradualista: a social-democracia, estabelecida depois da Segunda Guerra e largamente financiada pelo Plano Marshall dos EUA. Nos países do sul da Europa continuou a usar-se a roupagem ideológica socialista, mas, ontem como hoje, nada de verdadeiramente essencial separa os dois credos, o socialista e o social-democrata. Fátima Bonifácio, Público
Tenho sérias dúvidas quanto a esta tese de que a social-democracia está alicerçada na democracia cristã. Sérias dúvidas. Seriíssimas. Mas não podemos ir a todas, nem há tempo para ler e debater.