A semana de 4 dias e a desigualdade salarial
Eremita
Na verdade, estas são tanto ideias de futuro como do passado. O maior economista do século XX, John Maynard Keynes, dedicou-lhes metade de um seu famoso opúsculo, As possibilidades económicas para os nossos netos, de 1930. Nesse panfleto Keynes fez duas previsões. A primeira é a de que o aumento da riqueza, que após milhares de anos de estagnação disparara no século XVIII, continuaria a ganhar velocidade, e que os países desenvolvidos seriam no século XXI “entre quatro e oito vezes mais ricos” do que ao tempo em que ele escrevia. Acertou. A seguir, Keynes fez a pergunta: e que faremos nós com essa riqueza? Trabalhar menos, respondeu, prevendo que no século XXI poderíamos vir a ter uma semana de trabalho de quinze horas.
Quinze horas! É metade do que propõe a primeira-ministra finlandesa. Rui Tavares, Público
Propor uma semana de trabalho de 4 dias é uma ideia muito repetida nos meios intelectuais da esquerda cosmopolita (e.g., "work as identity, burnout as style") e deve dar votos, o que talvez explique a motivação de Rui Tavares para pegar no tema, mas não vale dizer que Keynes acertou na previsão do enriquecimento e não concluir que falhou na previsão das 15 horas de trabalho semanais. Enfim, é a retórica.
A falha principal da crónica é não discutir que efeitos teria a semana de quatro dias na desigualdade salarial. O mais provável efeito da revolucionária semana de 4 dias seria acentuar as desigualdades salariais e diminuir a indignação que o tema gera. Como se atingiria este sonho húmido da direita? Uma minoria de obcecados com trabalho, gente altamente competitiva e bem sucedida, continuaria a trabalhar 6/7 dias por semana. Mas grande massa de trabalhadores estaria acomodada ao fim-de-semana de 3 dias, tão satisfeita que perderia a autoridade moral para criticar os "1%". Assim, o reconhecimento oficial implícito de dois modos de vida (viver para o lazer ou para o trabalho) introduziria uma divisão nos rendimentos do trabalho que dificultaria a criação de impostos ultra-progressivos ou tectos salariais. De resto, mesmo esta medidas impossíveis apenas atenuariam levemente o efeito perverso da ideia do Rui Tavares. Só mesmo a proibição da semana de trabalho com mais de 4 dias seria profiláctica, mas esta é uma ideia que até o colectivista mais radical acharia disparatada.