Retrato-robô
Eremita
Devemos tomar ainda por banal qualquer ideia diametralmente oposta a uma ideia banal. Isto vale como regra de base e não como ortodoxia, sendo a explicação muito simples: quando a operação de transformação de uma ideia noutra ideia qualquer é simples, a desconfiança faz sentido, pois as manifestações de inteligência aparente, não ficando ao alcance de qualquer um, passam para as mãos de qualquer pessoa minimamente engenhosa que tenha descoberto o truque - o papagaio, por exemplo, é apenas um bicho que descobriu o truque da reprodução vocal, não o bicho que descobriu a fala com gramática sofisticada, mas, por momentos, ambos podem falar como Winston Churchill. É claro que esta vigilância deve ser tão mais apertada quanto mais importante para nós for a pessoa que produziu a ideia; por outras palavras, este processo ocorre sobretudo dentro da nossa cabeça e vigia o nosso próprio pensamento. Vem isto a propósito da tão batida autonomia das personagens literárias, pelo menos no nosso país, que é um país à mercê das entrevistas de Lobo Antunes. Não tive propriamente a ideia oposta, o que seria um embaraçoso caso de ignorância - Nabokov, como é sabido, cultivou a ideia de que o escritor é um tirano para as suas personagens. Mas a ideia que tive não consegue sair deste espectro lobo-nabokoviano e, nesse sentido, é uma ideia suspeita.
A verdade é que me cruzei com um cartaz colado à parede que anunciava, pela pose e olhar magnético de um maestro, um concerto de música clássica, algo raro em Ourique, que é sobretudo terra para anunciar touradas e festas de Verão, e vi ali, mas distintamente, como se me lembrasse, o rosto de Guillaume, o compositor em BW. Ora, a personalidade de Guillaume é exacerbada a partir da de um amigo, mas se um fosse posto ao lado do outro ninguém os tomaria por irmãos; os true events no rosto de Guilhaume são apenas as suas expressões genuínas. Para que isso acontecesse...
Continua