Polegar oponível
Eremita
Passei o serão de ontem na companhia de uns ciganos que acampam perto da minha tenda. Chegaram há dois dias e não me disseram quanto tempo vão ficar. Uma das ciganas pediu-me para ler a mão. Acedi. Agora que penso no episódio, foi a primeira vez que uma mulher me tocou intencionalmente desde que cheguei aqui, há quase um ano (excluo as vezes em que Tatiana me tocou nos dedos ao receber dinheiro e entregar o troco). Talvez por isso, tratou-se sobretudo de uma experiência erótica ou de empatia, mais do que uma experiência mística. Pegou-me na mão com enorme cuidado, como se fosse de porcelana. Observou-a com atenção, como se não houvesse outra. E nisto senti-me querido, como se não fosse preciso dizê-lo. Retive um comentário. Parece que a forma do meu polegar - magro apenas na base - indica que sou "criativo". Enquanto me afastava dela e regressava à minha tenda, fui contemplando o meu polegar direito, como se fosse a cana com que Nanni Moretti, montado na vespa, avaliou o tempo de vida que lhe resta.