A honestidade como insídia
Eremita
Quem foi traído ou se atraiçoou tem duas evoluções possíveis: ou se torna cínico ou fica possuído por uma honestidade compulsiva. O cínico não é interessante. Por outro lado, o honesto compulsivo é uma figura muito curiosa e a situação do casal composto por dois honestos compulsivos deveras peculiar. Para o leitor inexperiente, este parece ser um cenário idílico. Na verdade, é um inferno. O casal estável ideal faz-se de um honesto compulsivo e de um mentiroso de talento, pois o segundo sabe abortar a escalada de honestidade sem que o primeiro se aperceba. Com dois honestos compulsivos não existe este mecanismo regulador. Cada um conta tudo ao outro, dos segredos mais inconfessáveis às dúvidas mais irrelevantes. A honestidade é vivida com fanatismo. Mais vezes juram um ao outro que jamais mentirão do que trocam juras de amor. E na exposição daquilo que lhes é mais íntimo são implacáveis. Cruéis. Como se na privacidade não houvesse direito à privacidade. Tudo em nome da honestidade que julgam ser a salvação, mas que irremediavelmente os afastará.