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Eremita
Ontem de noite chamei a polícia. Deve ter havido uma altercação na casa dos vizinhos do prédio do outro lado da rua. Da janela, a mulher já gritava há vários minutos "chamem a policía", trocando a tónica, quando finalmente resolvi ligar, pois demorei a perceber o que dizia, parecia lamento de cigana. O policial foi muito simpático, agradeceu a chamada, mas como entretanto a mulher deixara de gritar, disse-me apenas para ligar outra vez se voltasse a ouvir um apelo. Voltei então às minhas leituras, mais descansado. Ou nem tanto. Uma hora depois, o meu quarto foi invadido pela luz intermitente de um carro de polícia ou de uma ambulância. Corri para a janela, olhei para baixo e... nada. Não havia carro. Não chegara a parar ali e deve ter virado antes do fim da rua. Ou então tinha adormecido e não chegou a passar carro nenhum, a luz fora um produto do meu desconforto. Já é de manhã e ainda não voltei a ver a mulher.