Boys will be boys
Eremita
Há uns dias, um rapaz que frequentava a mesma escola da mais velha da L. foi apanhado por um comboio. Parece que, a altas horas da madrugada, resolvera caminhar entre os carris de headphones nos ouvidos. Duvido que estivesse a apreciar a suave voz de João Gilberto quando o comboio o colheu. O álcool ou alguma outra droga terão contribuído para este comportamento, mas não ignoremos o óbvio: a morte estúpida, a morte violenta e a morte estúpida e violenta são coisas de homem - estatisticamente falando, claro. A natureza, precavendo-se contra a apetência dos meninos e rapazes para o risco, fez com que nasçam mais bebés do sexo masculino do que do sexo feminino, talvez uns 105 para 100, respectivamente, pois a teoria das estratégias evolutivas estáveis diz-nos que na idade reprodutiva devemos ter o mesmo número de fêmeas e machos*.
Nunca tinha pensado na queda para o risco como uma explicação para o meu velho desejo de ter filhas em vez de filhos, que justificava por ser o cenário que melhor contraria a tentação latente e trágica de ver a criança como um prolongamento no tempo da minha existência, um estafeta a quem se entrega um testemunho pesado de ansiedades e frustrações. Mas agora que elas existem, anima-me também o relativo alívio de saber que provavelmente não grafitarão em locais de difícil acesso, nem tirarão selfies à beira de precipícios, nem serão vítimas de uma facada ou tiro, a culminar uma qualquer escalada de orgulhos de peito feito ou até um acto de heroísmo. Mas isto não é para se dizer a uma mesa.
* Sendo incontestável que algumas sociedades exacerbam este viés pela prática do infanticídio de bebés do sexo feminino, o desequilíbrio começa por ser natural.