Before George Michael
Eremita
Não há música de Natal capaz de calar o som contínuo que é o guincho de um porco quando vê o facalhão que o irá degolar. O animal estava imobilizado por quatro homens e, em rigor, não sei se guinchou mais quando viu a lâmina, se quando a lâmina o penetrou. O que sei é isto: não há espectáculo mais completo para os sentidos de uma criança. Há, como vimos, o som. Há o cheiro dos pêlos chamuscados e há a imagem do sangue a escorrer às golfadas para um alguidar. O paladar vem depois, embora esteja implicitamente presente. O tacto é envolvente, porque o frio encarquilha a pele das mãos, entra-nos pelos ossos e sente-se na cara. Mas o próprio guincho estilhaça o frio. Fica mais quente assim que o porco se cala. Aquele porco, em todo o caso. É sempre o mesmo animal que guincha. A matança do porco deve ser agora um espectáculo interdito a menores de 16 anos, o que é uma pena. A morte também se aprende e se um Action man articulado que tomba fica aquém, o corpo do avô em câmara ardente fica um pouco além. A matança de um porco é a justa medida.