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Eremita
A ribeira tem já algumas poças mas ainda não pede galochas. Por causa da descida de temperatura, os poentes são mais nítidos e aos dias úteis a acústica campestre simplificou-se. Quase não se ouve um insecto, embora ainda na semana passada me tivesse cruzado com várias libelinhas. A paisagem mudou pouco. É certo que já se vai renovando o restolho, como se a terra fosse a pele de um réptil dormente, tão imenso que nem lhe adivinhamos a forma, mas é uma mudança discreta. É disto que eu gosto no Alentejo, desta inércia sem mistério que se explica pela perenidade das folhas do sobreiro e da azinheira. Confirmo finalmente a ideia de que o aumento de latitude não faz bem às árvores, pois elas ganham tiques de drama queen. Aqui dispensa-se bem o espectáculo dos laranjas, vermelhos e amarelos das florestas da Nova Inglaterra, porque o Verão Indiano é demasiado belo para se partilhar. Demasiado fácil. O que se adquire é a crítica do Verão Indiano, não o seu gosto. Com o Outono no Alentejo acontece o contrário. De resto, não faria mal desconstruir o próprio Outono. Para não ter esta sensação de que saio de uma tristeza com o timing errado, como alguém que vai assistir a uma comédia para se animar, mas escolhe a sessão errada, daquelas em que se entra de dia e se sai de noite. Não me apetecia ter de encadear uma tristeza pontual a uma tristeza sazonal.
(cont.)