Peão na passadeira
Eremita
Não havia rosto mais complexo na rotina de Lisboa do que o do peão que me fixava nos olhos quando parava o carro diante da passadeira. Uns pareciam agradecer-me, mas com a altivez de quem reconhecia estar a usufruir de um direito. Outros pareciam indignados, mas com a autocensura de quem sabia que eu cumpria o meu dever. E havia uns terceiros, que pareciam estar agradecidos e indignados ao mesmo tempo, sem que nem estes dois sentimentos nem as suas respectivas modulações intrínsecas se anulassem. Eram rostos que exprimiam quatro estados de espírito em simultâneo e levar com isto todas as manhãs era um confronto demasiado recorrente com a humanidade.