Francofilia de mérito duvidoso
Eremita
Tenho regressado à francofilia. Ouvir Proust e perder alguns minutos a contemplar as aparições televisivas de Emmanuelle Béart serão actividades recomendáveis. Mas nos últimos dois dias passei as tardes na companhia dos vídeos de Alain Soral. Soral é um anti-semita, embora ele prefira definir-se como um anti-sionista. É também um nacionalista, daqueles com simpatia pelo FN, que citam Vercingétorix, Charles de Gaulle e falam dos franceses "de souche". Creio que lhe sobra ainda raiva - ou talvez desprezo - para os homossexuais, além de ser misógino, embora os últimos vídeos que vi sejam sobretudo sobre geopolítica. E não sabe respeitar regras elementares da convivência social, como o direito do outro à palavra e o direito do outro não ser lembrado em público que a sua mulher em tempos foi para a cama com Soral. Enfim, trata-se de uma figura "inapresentável", para usar o neologismo de uma velha amiga, mas fascinante. Um guilty pleasure. O contraste com o "comentário político" que se ouve em Portugal e França nos programas de grande audiência é brutal e não apenas pelo politicamente incorrecto. É verdade que Alain Soral parece uma antítese do enfadonho António José Teixeira, mas qualquer pessoa minimamente inteligente pode construir um discurso politicamente incorrecto. O que geralmente falta é a legitimidade. Ora, a legitimidade de Soral, segundo o próprio, vem das suas suas origens humildes e, naturalmente, a sua retórica é a da escola marxista. Homens, mulheres, heterossexuais e homossexuais não são categorias sociais verdadeiras, tudo se resume a trabalhadores e burgueses. O seu discurso, que funde a "gauche du travail" com a "droite des valeurs", não será uma quarta via, é sobretudo retórica panfletária para arregimentar os descontentes e os excluídos. Como espectáculo, é viciante, em parte por não haver em Portugal uma figura homóloga. Felizmente, não preciso de explicar esta atracção a nenhum filho.