A gente não lê
Eremita
Ainda lemos livros? Tenho sérias dúvidas. Há os profissionais da leitura, mas já não se lê por ócio. É inexplicável que continuem a aparecer editoras, que as feiras do livro sejam um sucesso, que haja novos autores, que tantos livros sejam comprados. Ando há algum tempo a pensar numa forma de medir o tempo que dedicamos à leitura. Não é fácil, todos os métodos me parecem falíveis e a entrada em cena das novas tecnologias ainda complicou mais a tarefa. O Judeu costuma realizar um estranho ritual quando começa a época das alergias ao pólen: traz para a rua todos os livros da sua biblioteca e folheia-os ao ar livre, um a um, como se passasse os dedos com rapidez por um baralho de cartas para lhes tirar aquele som característico. Diz-me que assim aprisiona o pólen em circulação entre as páginas, para enganar o seu biógrafo - ele antecipa que a invenção da máquina do movimento perpétuo fará com que a a sua biografia resulte de um trabalho de investigação que mobilize grande logística. Enfim, está louco, mas também a sua loucura demonstra o embuste em que vivemos. Ninguém lê. Quando me dizem que estão a ler Joyce, não acredito. Nem sequer acredito quando dizem que estão a ler Gonçalo M. Tavares, ou valter hugo mãe, embora acredite quando dizem que leram a biografia de Maria Filomena Mónica. As pessoas mentem muito, como os mercados. Qualquer dia isto rebenta, como rebentou a bolha do imobiliário.