Tatiana, não é para ti, meu amor
Eremita
A «aparência» como moeda pode ser um conceito revoltante para algumas almas sensíveis, mas decorre naturalmente da beleza enquanto valor. «Belo» não significa «bom», desde os gregos que abandonámos esse equívoco, mas o «belo» é sem dúvida um «bem». Desejamos pessoas fisicamente belas porque reconhecemos uma qualidade naqueles traços físicos que em cada época definem o «belo». O culto da beleza, longe de ser uma patologia, é um sinal de civilização. A atractividade física pode gerar vantagens darwinianas, mas no mundo da natureza a copulação não depende em geral de considerações estéticas. A beleza como factor de atracção, e portanto como critério de escolha sexual, não é uma exigência de primatas, mas uma opção de pessoas numa fase cultural avançada. Uma fase estética, precisamente. Pedro Mexia
Assim se prova que o conceito mais revoltante de beleza não é o da "aparência como moeda de troca", mas o da beleza como emanação do darwinismo. Daí ser necessário a Pedro Mexia construir uma oposição fictícia entre "natureza" e "civilização", que deve pouco ao estado actual do conhecimento e muito ao corporatvismo académico e a um enraizado estatuto de excepção da espécie Homo sapiens, de cariz religioso ou, generalizando, antropocêntrico. Faço notar que esta oposição é mais insustentável do que o clássico nurture versus nature, porque este será um debate eterno, mas que hoje se joga apenas na determinação das partes de variabilidade explicadas pelo inato e pelo adquirido - por outras palavras, nem o mais radical defensor de qualquer dos campos exclui o outro.
Repare-se que "reconhecemos uma qualidade naqueles traços físicos" só será uma afirmação esclarecedora quando essa "qualidade" for descrita, de preferência evitando definições circulares. Quanto ao argumento principal dos defensores de um conceito civilizacional de beleza, que surge com discrição na passagem "naqueles traços físicos que em cada época definem o belo", adianto já, antes de me esmagarem com as vénus do Paleolítico e as mulheres pintadas por Rubens, que há critérios de beleza universais, no espaço e o tempo, como um rosto simétrico. Ora, existindo no homem uma competência e apetência inatas para julgar o belo, essencialmente indistintas das dos outros primatas, podemos avançar a tese contrária à de Mexia: o que há de mais civilizado não é o culto dos belos, mas a tolerância aos feios. O resto é animalidade pura, ou seja, não envergonha nem enobrece, é a tal condição*.
* O Judeu concordou comigo e relembro que ele leu imensos livros.