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Eremita
Afinal P. não me quer em Zinder, acena-me com Acra, no Gana. É muito tentador. Podia aproveitar a viagem para começar a trabalhar no meu porta-fólio (escreve-se assim) de escritor de viagens. É difícil imaginar melhor nicho para o mercado nacional. O país é totalmente ignorado em Portugal e creio que nem o Gonçalo Cadilhe pôs lá os pés, porém chegou a existir naquela terra uma feitoria portuguesa. Eis um título, à Granta: "Gana: a pós-colonização possível". Seria uma entrada fulgurante no exigente mundo da escrita de viagens, mas sinto-me preparado e até vou lendo amiúde o meu Paul Theroux. Depois de ganhar alguma reputação com uma viagem que aconteceu mesmo, poderia aguentar-me com viagens inventadas e mudar de identidade sempre que fosse apanhado. Chamemos-lhe heteronímia de sobrevivência.
E a Tatiana? Ainda não contei o que se passou durante o concerto do Stockhausen e conto fazê-lo em pormenor, inclusive com fragmentos de Proust, mas adianto que pela minha rua passou naquela noite uma rapariga tão bonita que me paralisou. Isto talvez não acontecesse comigo desde 2002, e na altura vivia em Nova Iorque, cidade que tem modelos e actrizes a servir à mesa. De onde surgem estas aparições ouriquenses? Recordo que não é a primeira, já antes me cruzei com uma que deu os traços do rosto de Tatiana. Mas a de sexta era ainda mais sublime, um clone da Milla Jovovich, e não resisto a retocar alguns dos traços do rosto de Tatiana, que para todos os efeitos é um ongoing project. Quem vai gostar é o Igor, que graças a mim vai mudando de mulher sem trocar de namorada. Sinto-me agora absolutamente legitimado para dar cabo dele com uma morte violentíssima (e isto recorda-me um texto de Herberto Helder - lá iremos um dia).