Grandes debates
Eremita
A probabilidade de uma leitura aos doze, catorze ou dezasseis contribuir para a releitura aos trinta ou quarenta, é bem maior que a probabilidade da ausência de leitura aos doze, catorze ou dezasseis contribuir para a primeira das leituras numa idade maior. Macguffin
"Yeah, well, you know, that's just, like, your opinion, man" The Dude
O mais extraordinário não é a altíssima probabilidade de esta convicta afirmação ter sido produzida sem evidência empírica substancial, mas a experiência pessoal que é apresentada para a sustentar. Se bem percebi, o Macguffin teve uma vaga interacção com o livro Dinossauro Excelentíssimo quando era criança e afirma que essa interacção despertou a sua curiosidade para o ler mais tarde. En passant, assume-se também como mais um dos freedom fighters que vão continuar a assegurar que as crianças e os jovens possam "folhear qualquer livro". Estamos todos comovidos. Lembro apenas que me referi ao problema das leituras precoces e não a uma política Fahrenheit 451 para menores de 16 anos, nem sequer ao fascinante universo das interacções entre crianças e livros. Se o Guerra e Paz tivesse caído do alto da estante e acertado na minha cabeça quando tinha 7 anos, poderia invocar hoje um trauma para ainda não ter lido o livro. Se tivesse usado os volumes da Recherche para chegar ao armário dos chocolates, teria hoje uma cumplicidade com a obra que me autorizaria a escrever apenas "Recherche" sem armar ao pingarelho, nem sentir um ligeiro peso na consciência. Como a minha tese era outra, relembro-a: a melhor forma de jamais se ler um livro com a competência que vem com a idade e a experiência de leitor é ler esse livro quando se é demasiado jovem, regra que se torna tão mais válida quanto mais espesso for o livro. Moby Dick, que espoletou esta discussão, é um livro espesso. É até provável que a versão para rapazes de Moby Dick seja ainda um livro espesso. A probabilidade de um desses rapazes, feito homem, se dar ao trabalho de (re)ler a obra completa é desconhecida, embora o Macguffin afirme que é uma probabilidade superior à de um outro homem, com hábitos de leitura semelhantes, ler esse livro pela primeira vez. Obviamente, não estamos a discutir se pessoas com hábitos de leitura (tantas vezes associados a leituras precoces) irão mais depressa reler um livro do que pessoas sem hábitos de leitura o lerão, e antes se naquela pessoa um - digamos - clássico lido em criança desperta um interesse de releitura superior ao interesse pela leitura de um outro clássico ainda virgem. Mas o Macguffin tem estas probabilidades todas tabeladas, não se preocupem.
Adenda: para ser absolutamente rigoroso, noutra vida já escrevi sobre este problema e não estou a ser absolutamente consistente. Mas as opiniões mudam e creio mesmo que a melhor forma de promover na altura certa a leitura de um livro é criar uma memória literária com um primeiro inóculo que não é o livro, nem versões infantis ou juvenis do livro, mas a história ou alusões à história (incluindo ao autor) num formato o mais distante possível do formato de livro. Desenhos animados do Quixote, uma colecção de pelúcia dos filósofos gregos, etc. É por aí.