Uma outra via
Eremita
Quem nos acompanha sabe que somos muito sensíveis ao tópico e não poderíamos deixar passar em branco mais um blog do mainstream não obviamente ligado ao associativismo LGBT a ousar mostrar um nu frontal masculino que não é de mármore, nem de bronze. Também assim se vai fazendo a revolução nos costumes.
Adenda: Alberto Gonçalves, autor do melhor título de blog de sempre, continua a insistir no gag em que o discurso não alinha com a personagem. Trata-se de um velho truque no humor, capaz de produzir pérolas como o boxeur que, na flash interview, se expressa com a eloquência e o obscurantismo que caracterizavam os estruturalistas. No caso em apreço, Gonçalves tenta a estereotipada manobra de devolver a acusação ao acusador, para concluir que dar espaço noticioso ao casamento de homossexuais também é discriminatório - suponho que para as hipotéticas hordas de noivos heterossexuais que são excluídos da imprensa.
O sociólogo Gonçalves começa por ignorar que as mudanças sociais não funcionam como um simples desviar das agulhas de uma via férrea mas sim segundo um movimento pendular e que, uma vez liberto, por vezes o pêndulo se encontra para lá de onde, com alguma sorte, irá parar. Agora noticia-se o casamento do escritor Eduardo Pitta e do seu companheiro, amanhã será notícia o casamento do professor Quintanilha e do escritor Richard Zimler e, aos poucos, a frequência com que estes casamentos aparecerão na imprensa igualará a frequência de casamentos homossexuais entre as pessoas minimamente mediáticas e estas notícias terão feito a sua migração da página da sociedade para a de mundanidades. Haverá ainda lugar para relatar casamentos homossexuais em contextos particularmente adversos, como o primeiro casamento gay entre trabalhadores da lota de Matosinhos ou o primeiro casamento gay em Castro Verde, mas serão episódios esporádicos. E é bastante provável que o esvaziamento noticioso destes eventos aconteça antes da notícia sobre o primeiro divórcio entre homossexuais, mesmo que o associativismo LGBT não o entenda como prejudicial à sua causa e não procure abafá-lo.
Nos dois casos mediáticos, os casais estão juntos há três décadas. É praticamente uma vida adulta, o que reforça o simbolismo destes casamentos e os coloca numa categoria à parte, em que a condição homossexual foi necessária mas não suficiente. Gonçalves é ainda livre de idealizar uma reacção aos movimentos sociais esvaziada de momento histórico, mas tal não faz sentido para os percursos individuais e mal andará a imprensa no dia em que as pessoas deixarem de ser notícia.