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Eremita
As traseiras desta casa abriam para o nosso quintal e o avô alugara o lugar ao Mira, que aí fizera uma taberna. Ia lá quase todos os dias. O álibi era a compra de saquinhos de pevides e o móbil coisa distinta: calendários de mulheres nuas forravam uma das paredes e naquele tempo o uso do silicone não estava generalizado, a única coisa estofada na parede era só mesmo uma enorme cabeça de touro embalsamado, pelo que as mamas ainda não tendiam para uma deprimente uniformização e cada rapariga oferecia a sua idiossincrasia com merecido orgulho - curioso isto de a beleza ser a qualidade que mais ostensivamente despreza a lógica da meritocracia. Esforço-me por recordar as caras de uma daquelas mulheres. Abril de 1977? Julho de 1978? Dezembro de 1979? Nada. Nem a Páscoa, nem o Verão, nem o Natal. Fevereiro de 1980? Nem sequer o Carnaval. Esforço-me também por recordar as mamas propriamente ditas. Outra vez nada, ou então memórias que não me parecem genuínas - a mama é de grande volatilidade, troca de rosto com facilidade, passa do celulóide e do papel para onde gostaríamos que estivesse, pois nesta arte o homem comum leva avanço sobre o cirurgião, quando este começou a implantar de bisturi há séculos que o outro já transplantava de cabeça.
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