Escalada
Eremita
Tenho evitado relatar aqui algumas das conversas com o Judeu. Em rigor, são quase todas as conversas que temos. A hostilidade só vem crescendo. O Judeu despreza-me e eu não consigo respeitar alguém cujo objectivo de vida é inventar uma máquina que sabe ser uma impossibilidade física. Esta estilização da vida parece-me absurda, quase imoral. Talvez a sua animosidade seja apenas uma reacção ao que penso dele, que deve ter transparecido de muito antes do momento em que a verbalizei num estado de grande exaltação (foi há uns dias). Não deixámos de nos ver, antes parece que precisamos de nos agredir mutuamente. Ainda ontem, quando regressávamos do cineblube onde assistimos ao Wonder Boys (ciclo "Filho de Kirk Douglas", na fórmula do rapaz), ele não resistiu:
- Esta personagem interpretada pelo Michael Douglas tem algumas parecenças contigo.
- A sério?
- A tensão do acto de criar. Como é aquela tirada no Interiors, do Allen...
- "She has all the anguish and anxiety of the artistic personality... without any of the talent".
- Esse teu sotaque...
- Mas achas mesmo?
- Bem, ele publicou um bestseller e tu não publicaste nada.
- ...
- E agora que penso nisso, o bloqueio deu-lhe para uma verborreia de escrita e tu nem 10 páginas de um manuscrito tens.
- ...
- Mas reconheço alguns paralelos. És parecido com o que ele tem de pior, digamos.