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OURIQ

Um diário trasladado

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Um diário trasladado

30
Ago20

"Vamos ser racionais"


Vasco M. Barreto

Agora que anda toda a gente em Portugal a escrever sobre o racismo como se fosse a redacção da vaca e nunca ninguém tivesse pensado ou escrito sobre o assunto em nenhum lugar do planeta, talvez fosse útil começar com uns exercícios elementares antes de arriscar voos mais altos. Proponho este: comente a expressão "quando se entende que o oposto de discriminar em função da cor da pele é ignorar a cor da pele, sai disparate". 

Vamos ser racionais. Era bom que não tivesse havido colonialismo e escravatura? Para aqueles que o sofreram na pele, claro que sim. Mas agora estou a falar daqueles que passados 400, 200 ou 60 anos vivem entre nós. Das duas uma, ou achamos que ser branco é uma condição para ser português e então vamos resolver o problema de quem não é branco e, logo, vítima diferida do colonialismo; ou então, ser português não tem nada a ver com a cor da pele e, na realidade, todos seremos, ou não, julgados pelos crimes dos portugueses de há 500 anos, sejamos brancos, pretos ou azuis. Eu sou da opinião que português não tem cor e, por isso, os negros são tão culpados do colonialismo como eu porque, como é óbvio, são tão portugueses como eu. Ou seja, nada a fazer. João Pires da Cruz

 

 

29
Ago20

Yamandu em Lisboa


Vasco M. Barreto

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fonte

Só agora percebo que Yamandu Costa e a família estão a viver em Lisboa e não foi pela imprensa mas no blog Chove do Plúvio, com quem tenho algumas afinidades musicais. É muito provável que a falha seja minha e algum jornal nacional já tivesse noticiado esta imigração que só podemos classificar como uma benção. Mas não teria bastado uma mera notícia num país que se esvai em orgasmos múltiplos com a vinda de Madonna e outras celebridades para a capital. Yamandu deve receber as chaves da cidade de um Medina de joelhos, a Ordem do Infante D. Henrique (o Grande-Colar, obviamente) e a Ordem do Mérito (a Grã-Cruz... não me provoquem) de um Marcelo curvado, e ainda um Golden Visa Portugal Invertido, uma categoria que acabo de inventar e que consiste numa avultada avença do Estado para que Yamandu continue em Lisboa depois do fim da pandemia com uma única obrigação: manter-se vivo. Infelizmente, não temos melómanos à frente do país e a extravagância vai toda para  bola. Benvindo, Yamandú!

 

 

 

 

29
Ago20

Ferros curtos


Vasco M. Barreto

Tullianas

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Iniciamos* a rentrée a oferecer pancada às pessoas com quem mais gostamos de embirrar. Embirrar por atacado é apenas uma tentativa de libertar o Ouriq da pulsão da actualidade, para que possamos cumprir o verdadeiro propósito deste diário trasladado, infelizmente tão desvirtuado nos últimos anos. 

Uma vedeta do jornalismo de opinião, que aparenta viver exclusivamente dos proventos adquiridos nessa actividade, optou pelo sensacionalismo ressabiado para servir ao público e aos seus patrões [escreveu que a Champions podia ter corrido muito mai]. (...) ... os espectaculares casos de Israel, Croácia e Nova Zelândia, países dados como referência de excelência na gestão da epidemia e sua contenção ao mínimo possível, revelam que a dinâmica da propagação do contágio ultrapassa qualquer capacidade dos governos seja em que geografia ou sociedade for. (...) ... estar na plateia a apupar os governantes porque os números são assim ou assado é uma prática que pode ser financeira e psicologicamente muito consoladora mas que no plano cívico e ético fica como uma pulhice. Valupi

Já perdi a conta ao número de vezes que Valupi menciona a fonte de provento dos seus alvos. Para ele, ganhar a vida a fazer opinião parece ser um crime. É muito provável que o Valupi também ganhe a vida a escrever e dar opiniões, o que torna a sua obsessão ainda mais misteriosa. Mas a citação vale sobretudo pelo seu recorrente registo "Jorge Coelho". O Valupi adora bater nos "pulhas", que ele define como qualquer criatura que viole o Estado de Direito mas o leitor quase sempre identifica como qualquer criatura que critique o PS. A crítica é ainda estruturalmente descabida, como o próprio Valupi se encarrega de nos explicar, pois se ele pensa mesmo que  "a dinâmica da propagação do contágio ultrapassa qualquer capacidade dos governos ", então a Champions correu bem porque tivemos sorte e não mérito ou visão, sendo descabido criticar a posteriori quem avisou que era arriscado organizar o evento. 

_______________

Deixei de comentar os textos obsessivos de Henrique Pereira Santos sobre epidemiologia e só se fosse louco romperia essa promessa, mas este comentário sobre a rentrée escolar interessa-me como cidadão e parte duplamente interessada (professor e pai). Que não sobre nenhuma dúvida: concordo em absoluto com HPS sobre a necessidade de voltar à normalidade, o que passa por retomar o ensino presencial. É apenas a argumentação que me parece um desastre. Repare-se nesta passagem:

Algumas dessas patologias [dos professores que pertencerão a grupos de riscos] não dependem de comportamentos individuais, mas duas das mais espalhadas, o excesso de peso e a tensão alta, são, em grande medida, controláveis por comportamentos individuais, isto é, quem se sinta em risco porque tem mais de sessenta anos e a tensão alta ou excesso de peso pode, na maior parte dos casos (não em todos, é certo) reduzir esse risco adoptando comportamentos individuais que diminuam o seu peso ou a sua tensão arterial. HPS

Sabemos que os liberais têm um entendimento religioso da iniciativa individual. Alguém pobre e gordo é um preguiçoso dominado pela gula. O liberal imagina a sociedade como uma corrida de carros com a mesma mecânica e partindo todos da pole position, reflectindo a classificação final o mérito do condutor (poderá ainda reflectir a sorte e o azar, mas não compliquemos). Faço uma caricatura da prosa de HPS, que vem com uns paninhos quentes, mas preservo-lhe a essência. A passagem não é apenas bizarra por fazer da obesidade um pecado; como nem HPS deve ser capaz de imaginar alguém a diminuir de peso a 3 semanas do início das aulas, a sua proposta soa a um verdadeiro um castigo. Mesmo dando de barato que as ideias de autonomia, iniciativa individual e livre arbítrio são sempre estruturantes, isto é, até se forem mentiras, faz impressão que alguém com leitura como HPS passe ao lado do que se tem aprendido sobre a obesidade nas últimas décadas. Um estudo com gémeos falsos e gémeos verdadeiros concluiu que 77% da variação de peso entre crianças se explica por diferenças genéticas. Como se explica no artigo que cito, a imprensa raramente percebe este valor. O estudo não conclui que a genética é mais determinante do que o ambiente para a obesidade, mostra apenas que a genética explica a maior parte da variação dentro de uma mesma população; obviamente, a genética não explica o aumento da obesidade ao longo das últimas décadas nas sociedades mais ricas, que se atribui a mudanças nos hábitos alimentares das populações. Mas se já é complicado destrinçar a genética do meio e explicar esta destrinça, concluir que alguém é culpado por ser gordo é uma generalização injusta, havendo casos e casos. Não pretendo iniciar mais uma discussão com HPS, pois o tema presta-se a cadeias intermináveis de reparos sucessivos e declaro-me demasiado perto da minha esperança de vida para aturar a retórica tiki-taka de HPS. Que fique apenas no ar a ideia de que a obesidade tem múltiplas causas, incluindo as genéticas e as ambientais, e que as implicações políticas insinuadas por HPS nos levariam a uma sociedade em que a maioria ficaria indignada com o gasto de dinheiro público no tratamento de doenças que resultam em grande medida de opções pessoais, como o cancro do pulmão provocado pelo tabagismo. Felizmente, não vivemos ainda nessa sociedade. 

_______________

Vitor Cunha insiste na ideia de que "a vacina" (há dezenas de vacinas em desenvolvimento) é "na melhor das hipóteses" um placebo e, sem motivo aparente que não a oportunidade para uma piada gasta sobre vírus de computadores, inclui Bill Gates na sua verborreia libertária sem qualquer nexo, como faria um qualquer maluquinho fã de teorias da conspiração. Se a defesa da liberdade dependesse de patetas vaidosos como Vitor Cunha, estaríamos feitos. 

_______________

João Miguel Tavares deu-nos um opus de três crónicas sobre a corrupção em Portugal. Ninguém espera de JMT um trabalho académico, mas quando se investe três crónicas no tema, esperamos encontrar uma ideia nova e alguma contextualização sobre os níveis de corrupção em Portugal, nomeadamente a sua evolução e uma análise comparada com outros países. Mas JMT não fez nada disso, limitou-se a servir uma longa refeição requentada exclusivamente centrada nos partidos políticos, sabendo-se que a corrupção é muito mais tentacular, estutural e sub-reptícia do que aqueles óbvios ululantes que são as portas giratórias entre o Estado e as empresas. Serviu-lhe para despachar serviço enquanto a rentrée política e o regresso às aulas e ao trabalho não voltam a assegurar temas frescos. Serviu-lhe também para se autopromover como o inimigo número um dos corruptos em Portugal. Espelho meu, espelho meu... Querem ler algo mais substancial e menos narcísico sobre a corrupção? Leiam o Luís de Sousa

* Nuno Salvação Barreto, o nosso censor, enviou-me esta nota: "Evita o plural majestático. Quando usado por alguém abaixo de imperador, cai sempre mal, pois só não é uma cobardia camuflada de cortesia ou modéstia quando o caso é do foro clínico ou um exemplo de megalomania. Também não percebi a ilustração e o nome da série. Tullianas? Tullius Detritus é um intriguista que promove a discórdia e não está interessado no apuramento da verdade, nem em assegurar a salubridade do espaço público! 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

21
Ago20

Mais delírios libertários


Vasco M. Barreto

Vem aí a vacina! Melhor: vêm aí 7 milhões de vacinas testadas em ratos, cobaias e talvez na filha do Putin, se considerarmos que 1) odeia a filha ou 2) uma pequena injecção de soro fisiológico pode fazer maravilhas.

Nunca na história fora de maus filmes houve tantos idiotas ansiosos por experimentar uma inoculação de agentes desconhecidos para tentar evitar uma doença que pode atingir 0,2% da população mundial. Ainda dizem mal da heroína, não sei bem porquê.

(...)

A vacina é um unicórnio porque não existe. Pode existir um protótipo, uma tentativa, mas aquilo a que normalmente se chama vacina é algo que comprovadamente tem benefícios. Desta coisa não sabe absolutamente nada é mesmo que seja bestial só o saberá daqui a vários anos. Vitor Cunha

O argumento de que a doença só afecta 0,2% da população mundial é absurdo. A COVID-19 matará em 2020 pelo menos três vezes mais do que o cancro do colo do útero em 2018 e a vacina do HPV é recomendada a todas as meninas. A vacina que poderá vir aí (AZD1222) está a ser desenvolvida pela Universidade de Oxford e a Astrazeneca. Já foi testada em macacos rhesus e em pelo menos 543 indivíduos saudáveis. Parece ser bem tolerada e levar à produção de anticorpos e células T contra a proteína S do Sars-Cov-2. Falta demonstrar que é bem tolerada pelos menos saudáveis e que funciona como vacina, isto é, que a percentagem de infectados com COVID-19 é menor entre pessoas vacinadas do que entre pessoas não vacinadas (que ainda não tenham tido a doença). Estes estudos envolvem milhares de pessoas no Brasil, Reino Unido e Índia. Pensa-se que haverá resultados conclusivos até ao fim do ano. Funcionará? Ninguém sabe e no mundo ocidental não existe ainda nenhuma vacina para seres humanos baseada na tecnologia da AZD1222 (vector adenoviral). Obviamente, fará sentido distribuir a vacina se esta se revelar eficaz. Até Vitor Cunha e outros libertários poderão ficar protegidos, se o desejarem, porque o sistema imunitário não se deixa afectar pela ideologia. Mas contra a parvoíce não há vacina.

 

21
Ago20

Delírios liberais


Vasco M. Barreto

 

A incompatibilidade entre Ciência e Estado é estrutural. A Ciência progride através de tentativas e erros; o Estado é intransigente com o erro e a incerteza. O Estado é o pior inimigo da Ciência.

(...)

Ao dia de hoje, passam por especialistas toda a espécie de aficionados e farsantes: milionários com uma estranha obsessão por vacinas, candidatos presidenciais frustrados com mensagens apocalípticas, adolescentes absentistas com transtornos neurobiológicos, jornalistas com pouca vocação para o jornalismo mas muito talento para o drama, matemáticos que se aventuram na epidemiologia antes de estudarem as barreiras de imunidade. Dá para tudo – até para políticos semianalfabetos reinventarem o espectro de acção dos antibióticos.

(...)

Esta não é, decididamente, uma época científica. Numa época científica, os mensageiros do pânico não teriam tanto tempo de antena e o cepticismo informado não seria apodado de negacionismo. Numa época científica, não se desinfectariam escolas fechadas durante meses, nem se despejaria lixívia sobre praias e respectivas comunidades bióticas. Numa época científica, não se sujeitaria um cidadão saudável a tapar a cara com um pano a pretexto de uma doença respiratória. Numa época científica, a condução solitária com máscara cirúrgica seria uma cena invulgar e burlesca. Numa época científica, considerar-se-ia inadmissível que o Estado fizesse com a morte aquilo que faz com os recursos dos contribuintes: transferi-la, com critérios arbitrários, de um domínio para o outro – a fazer lembrar as inquietantes palavras de Edgar Morin: «A morte é o campo de batalha, o palco eterno, cuja posse dá o poder sobre as almas. Quem possui a morte possui o poder!» Numa época científica, a razão não seria vencida pelo medo. Carlos M. Fernandes

Recebe um chocolate quem identificar todos os alvos mencionados no segundo parágrafo. Esta diatribe liberal sobre a relação entre a ciência e o Estado e um alegado declínio da ciência deixa-nos ainda a pensar no sentido de "estranha obsessão por vacinas", se o autor identifica alguma "época científica" na história da humanidade e se pensa mesmo que a inovação em ciência se faz sobretudo com capital privado. Sobre este último tópico, recomendo o trabalho de Mariana Mazzucato.

 

 

18
Ago20

Rudimentos de antirracismo para anti-antirracistas


Vasco M. Barreto

O movimento antirracista cresceu em anos recentes, sobretudo porque passou a poder contar com o pensamento, as vozes e a ação de pessoas negras ou afrodescendentes (e ciganas, especificidade que por economia não posso incluir aqui). Além da denúncia dos casos de racismo – que demasiadas vezes são arquivados ou negados como racistas – elas exigem políticas antirracistas concretas no plano estrutural e sistémico. Elas são aquilo que noutras paragens se designa como ação afirmativa, à semelhança do que fizemos com o género. Mas o Estado português não só recusou, por exemplo, a inclusão de categorias de autoidentificação étnica e racial nos Censos, de modo a sabermos quem são as populações potencialmente recipientes de políticas de ação afirmativa, como os partidos políticos que representam a sociedade não têm, na sua esmagadora maioria, programas antirracistas.

A negação do racismo sistémico e estrutural, a atualização constante da falácia luso-tropicalista, a desatenção absoluta aos factos divulgados pelos movimentos sociais e aos dados fornecidos pela investigação científica, ou o apartheid social que não permite sequer o conhecimento da realidade através das relações humanas, conduzem as elites políticas, os fazedores de opinião e as pessoas ou cargos que genericamente influenciam a sociedade, a reagirem de formas absurdas aos avanços do antirracismo e às reações violentas da extrema-direita.

Há quem estabeleça uma simetria entre antirracismo e racismo, num gesto de enorme falha ética, por vezes sugerindo que o primeiro incentiva o segundo, numa extraordinária inversão da ordem dos fatores;  há quem apele a uma temperança no debate, revelando, afinal, um desejo de negação; há quem branqueie os desígnios do oportunismo cínico do Chegae de André Ventura; há quem queira aproveitar-se do sucesso destes e da sua exploração populista das mentalidades racistas e coloniais, normalizando assim a extrema-direita; há quem equivalha, em termos de “radicalismo”, a extrema-direita aos partidos da esquerda, que sempre respeitaram o contrato constitucional; há quem acuse os movimentos antirracistas de radicalismo, sem reconhecer o  quão radicalmente violento é o racismo; há quem remeta o racismo para um lugar subsidiário da classe social, sem perceber o que é o privilégio branco; há quem passivamente defenda que tudo é uma questão de mentalidades, que aos poucos se transformarão, como que por artes mágicas humanistas. Todas estas reações são exemplos do que normalmente se designada por “fragilidade branca”, um desconforto insuportável sentido quando a questão do racismo é levantada e não simplesmente esquecida.

Tenho noção dos meus privilégios, dos capitais que transporto desde que nasci. Capitais que foram construídos ao longo da História como definidores de um lugar mais alto nas hierarquias sociais: como homem, nas estruturas de desigualdade de género; como burguês, nas estruturas de classe; como letrado, nas hierarquias de capital cultural; como ocidental, europeu e branco, nas estruturas racializadas construídas no processo colonial; como nacional, no sistema de Estados-nação que divide nacionais de imigrantes ou refugiados. Talvez a politização da minha identidade como gay tenha ajudado a perceber o que é passar por micro-agressões quotidianas e o que é viver numa estrutura em que a minha sexualidade, amor, conjugalidade ou parentalidade não são (não eram...) reconhecidas. Mas têm sido sobretudo autores, artistas, académicos, ativistas, políticas e políticos antirracistas quem mais me tem ensinado, junto com a minha prática da antropologia, que Portugal ainda não se descolonizou; que Portugal tem um problema de negação do racismo; que Portugal tem um problema com o crescimento duma extrema-direita que capitaliza a negação do racismo; que, no centro político, esta negação ecoa mais – infeliz e dramaticamente - do que a urgência antirracista. Miguel Vale de Almeida, Público

 

14
Ago20

A falsa equivalência em alta


Vasco M. Barreto

A direita insiste na falsa equivalência e rapa o fundo do tacho ao lembrar as FP-25 e as acções das Brigadas Revolucionárias e outros grupos de extrema-esquerda* com acções muito circunscritas a um tempo bem distante e dificilmente repetível. As opiniões absurdas que tenho lido e ouvido seriam fascinantes, se  isto não fosse tão perturbador desolador.

Adenda a 15.8.2020: "Infelizmente, perante todas as evidências, ainda há quem continue a revelar uma extraordinária pequenez ética e uma desconcertante desonestidade política ao insistir sistemática e histericamente em equiparar o antirracismo ao racismo. Alguma destas pessoas que pedem calma, contenção, sensatez às vitimas de racismo, foi agredida verbal ou fisicamente por ser negra ou cigana no espaço público?; foi impedida de entrar num espaço público, impedida de alugar uma casa, ter acesso a um emprego ou ser paga para a mesma função com menos um terço do salário que o seu colega de trabalho?; foi perseguida e a sua vida privada devassada até exaustão?; foi alvo de chantagem ou perseguição ad hominem permanente e sistematicamente?; sofreu alguma emboscada da extrema-direita em plena via pública?; foi obrigada a mudar de casa por temer pela sua segurança e a da sua família?; teve de mudar de telefone ou conta numa rede social por já não suportar receber insultos e ameaças de todo o tipo, incluindo de morte? Alguma destas pessoas?

É por isso que, perante a ação terrorista da extrema-direita, a exigência de sensatez dos que acham que falar do racismo é fomentá-lo se torna insuportável e soa a indiferença perante o sofrimento e a violência racista. Há muito que os neonazis (...) se alimentam desta indiferença e do relativismo dos discursos que se querem “sensatos” para não enfrentar o racismo. A calma e contenção e/ou o silêncio perante a violência racista é uma cumplicidade a que nenhum democrata se pode prestar. Enquanto a valorização moral e ética do racismo não tiver o mesmo peso que as outras violências que ofendem a dignidade humana, continuaremos a ter alheamento institucional e pouco investimento político no combate contra o racismo.

Não me peçam calma nem contenção porque estou cansado dos vossos pedidos. Até quando me vão acusar de ser responsável pelo racismo de que sou vítima? Até quando continuarão a dizer que sou igual àqueles que me violentam e me querem matar? Até quando continuarão a pedir-me para esperar enquanto se vai matando ou ameaçando matar uma parte de mim? Até quando? Ou ainda não perceberam que qualquer morte ou ameaça de morte racista é uma morte da própria ideia dos valores de humanidade que tanto gostam de apregoar? Só a condescendência com a morte da própria ideia de humanidade pode levar uma comunidade política a não se sentir ela própria ameaçada com ameaças de morte por ódio racial. Portanto, a única decência que espero dos que insistem em negar ou relativizar o racismo é que tenham a inteligência e a coragem de matar o racismo antes que ele nos mate. (...)

Para tanto, se quisermos um futuro coletivo comum, a escolha é só uma: defender a democracia enquanto é tempo, enfrentando com determinação a barbárie da extrema-direita. Mamadou Ba, Expresso

* Agora que anda toda a gente a fazer a crítica do livro do Marchi e críticas a essas críticas, sugiro que leiam a magnífica recensão de António Araújo do livro Luta Armada, que mostra como realmente se faz a coisa. 

 

 

 

 

 

 

 

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