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OURIQ

Um diário trasladado

OURIQ

Um diário trasladado

31
Mai19

Como trazer os jovens para a política?


Eremita

MagdalenaBurtan.max-760x504.jpg

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As miúdas mais velhas da nossa casa não querem saber de política. Mas talvez seja possível convencê-las de que investir algum tempo a ler os jornais acaba por transformar os políticos em personagens que podemos acompanhar ao longo dos anos como se assistíssemos a uma telenovela ou série televisiva sem fim. Mais do que o alarmismo sobre as alterações climáticas, acredito que este é o único argumento capaz de trazer para a política quem nunca se interessou pelo assunto. Quanto às mais novas, espero que a condição de gémeas lhes dê uma percepção precoce do desejo mimético que estimule a sua aprendizagem política. 

31
Mai19

A espada de D.(19)


Eremita

bola velha.jpg

Muito se aprende dentro dos elevadores. Duas pessoas que mal se conhecem, numa viagem do rés-do-chão ao oitavo andar podem não trocar uma palavra, mas o espaço exíguo e a monotonia da paisagem que desfila vão forçá-las a uma interacção silenciosa, feita de olhares que se evitam e de uma subtil redefinição do posicionamento de ambas, como se pisassem um tabuleiro de xadrez no chão e fossem pedras de um jogo em fase derradeira. A mais aguda dessas pressões viria eu a sentir quando tinha o hábito de subir até ao quarto andar à procura de um amigo e M. aparecia no último instante, não deixando que a porta se fechasse antes de se esgueirar para dentro do elevador como se o estado sólido ganhasse por instantes a maleabilidade dos corpos líquidos; nunca ninguém voltará a entrar num elevador de forma tão graciosa. Durante o percurso eu ia corando com os pensamentos pecaminosos que aquele corpo inspirava, um corpo mais velho e irrepreensivelmente cinzelado, ao ponto de não parecer dali. Aquilo nem no cinema se via, mas ela tratava-me como uma criança. A minha vontade era que o elevador parasse e ficássemos presos, que a luz faltasse e eu então ganhasse coragem para lhe tocar. Iria depois ter ocasião de reparar que este delírio, julgado tão íntimo e pessoal, faz afinal parte do cânone das fantasias sexuais de adolescentes e outros, sendo esta mais uma daquelas constatações que causam primeiro alguma paranóia, como se alguém nos tivesse roubado o segredo, depois alguma desilusão, pois não somos tão únicos como pensáramos, e por fim algum consolo, visto percebemos que partilhamos uma perversidade universal. Como se sabe, por vezes a ordem destes estados de alma varia, podendo inclusive os três surgir ao mesmo tempo, embora haja quem experimente apenas um durante toda a sua vida.

 


Pouco bafejado pela sorte, na única vez que o elevador encravou a sério, a pedir a intervenção de uma equipa de bombeiros, eu estava na companhia de D., um tipo catita e o melhor jogador do prédio, mas apenas isso. Vínhamos de uma peladinha e ainda algo animados pelo jogo. O elevador encravou precisamente entre dois andares, deixando-nos com a desagradável sensação do emparedamento, pois nenhuma das janelas das portas imediatamente acima e abaixo era visível. Não entrámos em pânico e eu consegui controlar um pico de claustrofobia. Como a campainha do alarme estava avarida, limitámo-nos a lançar dois ou três gritos de alerta. A nossa situação não era dramática. Cedo deram por nós e sabíamos que em breve iríamos sair dali. A tentativa infrutífera de nos passarem algumas bolachas Maria pela frincha de uma das portas deve ser vista apenas como uma pulsão para acrescentar dramatismo ao episódio. Ainda assim, ficámos umas três horas lá dentro e, quando as circunstâncias forçam o convívio, há um pacto implícito que nos faz mais francos e, uma vez reposta a normalidade, nos obriga a um voto de silêncio sobre o que se contou. Da conversa de circunstância, D. foi lentamente escorregando para zonas mais sombrias. "E se este é o meu momento de glória? E se depois acaba?". "O quê?". Ele insistiu: "Se isto é o ponto alto da minha existência... Se vou ficar para sempre como o melhor jogador do bairro e nada mais volta a acontecer na minha vida?". "Pelo menos foste o melhor do bairro. Muitos há que..." "Mas o problema é esse, pá. E se esta fama local me suga as energias e me deixa satisfeito?". "Bem, sabes que se guardares as taças tens sempre forma de provares as glórias passadas..." "Não gozes. Não quero ter o meu momento de glória demasiado cedo, percebes?" "Pá, essas coisas não se esgotam". "Achas?" "Acho". Talvez não achasse. Já havia percebido que há uma certa tendência para reduzir uma pessoa de génio ao seu génio, tirar-lhe todas as outras dimensões e depois usar um juízo crítico implacável para a destruir, só porque nunca mais conseguiu chegar ao nível do passado ou entretanto apareceu alguém melhor. É esta a desforra dos medíocres. Mas nunca tinha pensado como a pessoa de génio se analisa e de que forma o génio lhe pode pesar. D., a partir da segunda hora era um tipo amargurado. Nunca mais esqueci aquele diálogo. Salvos pelos bombeiros, nos dias seguintes voltaríamos a jogar. D. continuou naturalmente a ser o melhor, só que eu passei a olhar para ele de outro modo e mal conseguia disfarçar o receio. Não havia forma de deixar de ver a tal espada de Dâmocles a pairar sobre D., sempre a apenas uns dedos de distância e ziguezaguendo com ele, mesmo durante os seus slaloms mais desconcertantes.

30
Mai19

Crítico de humoristas


Eremita

Não deve ter havido profissão com um crescimento mais impressionante em Portugal na última década do que a de humorista de stand up e afins, mas Portugal continua a ser um país sem crítica de humor. Ainda existem críticos de poesia, que escrevem para mil pessoas, mas nenhum crítico de humoristas, que esceveria para cem mil.

 

O humor discute-se sempre e apenas no contexto dos limites à liberdade de expressão. É provável que a minha verdadeira motivação para assumir o papel de crítico seja poder criticar Ricardo Araújo Pereira, mas pode ser que exista um interesse genuíno, pois por vezes sinto-me tentado a tirar apontamentos sobre os nossos jovens comediantes. Muito provavelmente, interessa-me perceber como as pessoas conseguem ter o que me falta ao vivo: graça. 

30
Mai19

Os jacarandás


Eremita

Screen Shot 2019-05-30 at 09.28.14.png

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Repete-se a revelação de que, afinal, não somos os únicos a gostar dos jacarandás. 

Variação oscar-wildeana

Não sou suficientemente novo para ainda pensar que só eu gosto dos jacarandás.

Variação em jeito de corolário

A lucidez e a experiência são inversamente proporcionais à ilusão de singularidade.

Fausto Gomes comenta

Um jacarandá por ouriquense.

 

29
Mai19

O que se espera de um cronista?


Eremita

IMG_6105.jpg

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Alguns cronistas sentem-se pressionados a comentar a actualidade mesmo quando não têm nada de substancial a acrescentar ao que outros já disseram. Este artigo de Luís Aguiar-Conraria é exemplar. O cronista resolveu escrever sobre as eleições, em parte por necessidade de corrigir o que escrevera a quente no domingo (ou na segunda-feira), mas não diz nada de novo ou relevante. 

 

Há um autismo na escrita da crónica de comentário político que passa por ignorar o que os outros escreveram sobre o mesmo tema para evitar a paralisia e o dever de citação. Aceita-se que seja um comportamento instrumental e a redundância que se produz acaba até por ter o valor de uma sondagem para quem lê a imprensa, mas irrita ver um autor que estimamos a encher chouriços. 

 

 

28
Mai19

"O lado bom do nazismo"


Eremita

AnimalRightsNaziGermany.jpg

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A notícia - em bom rigor, um tweet -  de que alguém defendeu o nazismo numa conferência na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas intitulada "O lado bom do nazismo" tresanda a fake news, mas gostaria de saber mais sobre este evento que terá acontecido ontem. Só há duas possibilidades: 1) alguém, numa universidade de esquerda que não deixou Jaime Nogueira Pinto falar há uns anos, resolveu fazer a apologia do nazismo; 2) alguém resolveu aplicar técnicas de marketing para promover a sua conferência, seguindo a estratégia dos autores de (pdf) Hitler's Gift, um livro que não é uma apologia do nazismo. A primeira hipótese é a mais implausível, mas a extensa lista de tópicos que terão sido abordados ("auto-estima, desemprego, indústria automóvel, anti-tabgismo, animais, medicina, prémios Nobel, operação paperclip") ) é pouco compatível com a segunda, a menos que o título da conferência seja para ler entre aspas e o tema escolhido tivesse sido a análise da propaganda nazi. Em todo o caso, o crescimento dos movimentos ecologistas, confirmado nestas eleições europeias, leva-me a prever que começaremos a ouvir com frequência, num sentido crítico mas inevitavelmente falacioso, alguns argumentos menos batidos invocando "o lado bom do nazismo", nomeadamente o "vegetarianismo" de Hitler e a promoção dos direitos dos animais pelos nazis.

 

24
Mai19

AMÍGDALA


Eremita

Screen Shot 2019-04-20 at 08.01.51.png

AMÍGDALA (s.f. do gr. amygdále, pelo lat. amygdàla, amêndoa). 1. Imunologia Orgãos linfóides da garganta cuja função principal é pagar as prestações das casas de praia dos otorrinolaringologistas 2. Desenvolvimento e senescência Atingem o tamanho máximo na puberdade e tendem a atrofiar depois, tal como o talento (e os cabelos) de tantos jovens actores, em rigoroso contraste com a sua ginecomastia. 3. Cirurgia e prevenção dos acidentes de trabalho A remoção das ~ é aconselhável quando interferem com a respiração (ver adenoidismo) ou a ingestão de alimentos (ver deglutição), bem como entre actrizes de filmes para adultos (ver, mas fora do escritório) 4. Neurobiologia Designa também um núcleo cerebral com papel fundamental no processamento das emoções, em particular o medo. Em caso de atrofia, o indivíduo não reconhece o perigo, daqui se concluindo que a coragem é um sintoma patológico. Assim se compreende também que um dos cognomes de Humberto Delgado - "General sem Medo" - tivesse sido transmutado com recurso a referências anatómicas características, do popular e brejeiro - "General com Tomates", ao mais escolástico e de circulação restrita - "General sem ~" 5. Zoologia e Parentescos A ~ cerebral é extremamente reactiva a estímulos externos, hipertrofiando diante de um animal feroz ou de uma sogra, entre outros exemplos.

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